Os Oceanos: Passado, Presente e Futuro

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12 min readApr 13, 2021

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Por Jess Spear. Texto publicado em 25 de maio de 2020 em Global Ecosocialist Network.

Traduzido por Rafaela Debastiani. Revisado por Rebecca Borges

Aproximadamente às 6 horas da manhã de 23 de março de 1875, uma corda de cânhamo italiano com um peso de chumbo em uma extremidade e carregando 2 termômetros de vidro foi jogada no oceano. Os marinheiros e cientistas da Expedição Challenger observavam enquanto a corda descia, tomando nota das marcas brancas a cada 25 braças (150 pés ou 45 metros) para indicar a profundidade do oceano. Duas horas depois, e mergulhando mais de 8 quilômetros abaixo da superfície, a corda pesada tocou o fundo da Fossa das Marianas.

Esta foi apenas uma das extraordinárias descobertas feitas durante a viagem de 41 meses ao redor do mundo. De um pouco antes do Natal de 1872 a maio de 1876, seis cientistas e cerca de 200 marinheiros percorreram quase 70.000 milhas náuticas, parando em 360 “estações” para pesquisar a vida e as condições em nossas bacias oceânicas. A Expedição Challenger descobriu mais de 4.700 novas espécies, incluindo criaturas habitando a parte mais profunda do oceano, que na época era considerada completamente sem vida. Essa expedição revelou a rica biodiversidade da vida e do complexo relevo marinho, marcando o início da oceanografia, o estudo das condições passadas, presentes e futuras do nosso oceano.

Cento e quarenta anos depois, espremido em um minúsculo submersível, Victor Vescovo fez a terceira viagem à Fossa das Marianas. De sua janela de 200 mm de espessura, ele examinou o fundo do mar com entusiasmo, em busca de novas formas de vida. O que ele encontrou? Um saco plástico.

O passado profundo

Ao longo de milhões de anos, as bacias oceânicas e os continentes mudam de forma, se expandem e se contraem à medida que deslizam nas placas sobre o manto da Terra. Eles colidem para formar supercontinentes e cadeias de montanhas, e então se separam quando novas bacias oceânicas nascem e outras se dissolvem na terra. A areia da praia já foi uma velha montanha. Lembre-se disso da próxima vez que caminhar em uma praia arenosa, descalça, sentindo as antigas montanhas entre cada dedo do pé.

A bacia do Oceano Atlântico está cada vez maior. À medida que o fundo do mar se espalha, o magma de dentro do manto da Terra sobe para o topo e esfria, formando uma cadeia de montanhas oceânicas, a Dorsal Mesoatlântica. Enquanto isso, a bacia do Oceano Pacífico está encolhendo à medida que a placa do Pacífico mergulha sob a placa marítima das Filipinas. É esse processo que deu origem à Fossa das Marianas.

Enquanto as placas continentais e oceânicas dançavam na superfície, a vida surgiu — muito provavelmente do oceano — e evoluiu, de organismos unicelulares a multicelulares, de derivar, nadar, e caçar a rastejar, correr, pular, socializar, voar e construir barragens. E em um dos muitos ramos da árvore da vida vieram seres que escalam, caminham e pensam, capazes de desenvolver teorias e ferramentas para então olhar para trás no tempo e descobrir o passado. Saber o que veio antes pode nos ajudar a entender o que virá; e, uma vez que nosso planeta está coberto por oceano, saber o que aconteceu no oceano é uma grande parte da compreensão do clima da Terra.

Alterações no clima, grandes e pequenas, são registradas pela própria Terra — nas bolhas capturadas nas geleiras e nos mantos de gelo, na espessura dos anéis das árvores e nas conchas de organismos marinhos. Na verdade, embora a maioria das pessoas estivesse familiarizada com testemunhos de gelo (ice cores) e anéis de árvores, os heróis anônimos da ciência do clima são os poderosos Foraminíferos (geralmente chamados de forames).

Esses organismos unicelulares existem há cerca de 500 milhões de anos e, convenientemente para nós, constroem uma concha que registra as condições do oceano em que viveram. Eles podem nos contar sobre o ciclo da água (houve mais ou menos chuva em comparação com hoje), quanto gelo havia na terra durante as eras glaciais (e, portanto, o nível global do mar) e quão quente ou fria era a temperatura do oceano. Podemos até olhar para as mudanças sazonais anteriores na temperatura do oceano, já que algumas espécies vivem apenas durante o inverno ou são mais prevalentes durante o verão. Depois de uma vida muito curta de semanas a alguns meses, suas microconchas acabam enterradas na lama do fundo do mar e, ao longo de centenas a milhões de anos, aos poucos, essas minicápsulas do tempo preservam um registro do oceano. Paleoceanógrafos (cientistas que estudam o oceano do passado) coletam testemunhos do fundo do mar, removem a lama e examinam as conchas desenterradas.

Mais de 2.000 testemunhos de sedimentos tem sido coletados em todo o mundo. Cada testemunho é amostrado em seções de milímetros ou centímetros de cima para baixo, com o topo contendo o material depositado mais recentemente e o fundo, o mais antigo. As conchas microscópicas são removidas de cada amostra, identificadas sob um microscópio (usando o pincel mais fino que se pode encontrar!) e, em seguida, analisadas quanto a mudanças químicas ligadas a mudanças no oceano.

A leitura destas cápsulas de tempo revela o surgimento, a evolução e a destruição do habitat oceânico, o resfriamento de 50 milhões de anos do planeta, o crescimento e a decadência das principais camadas de gelo sincronizadas com as mudanças na órbita da Terra, e o recente aquecimento da Terra pela atividade humana. A partir de conchas tão pequenas, descobrimos o passado dinâmico da Terra. Podemos ver seus longos períodos de clima relativamente estável, bem como mudanças bruscas que destruíram habitats e exterminaram espécies inteiras.

Há cerca de cinquenta e seis milhões de anos ocorreu um evento — o Máximo Térmico do Paleoceno-Eoceno (MTPE). Uma liberação enorme de gases de efeito estufa na atmosfera fez com que a terra aquecesse repentinamente. (Soa familiar?) Há mais de 10.000 anos a temperatura da superfície do oceano subiu em até 8 graus. Como hoje, uma grande parte do dióxido de carbono e metano liberado foi absorvido pelos oceanos, fazendo com que o oceano se tornasse mais ácido e hostil aos organismos construtores de conchas. Os níveis de oxigênio caíram no oceano profundo, provavelmente porque a circulação oceânica foi reduzida. O impacto na vida até onde podemos perceber foi variado, mas para os foraminíferos de águas profundas foi desastroso. Entre 30–50% de todas as espécies pereceram. Foram necessários cerca de 100.000 anos para que os gases de efeito estufa fossem retirados da atmosfera — reagindo com sedimentos carbonatados no fundo do mar, juntamente com o envelhecimento químico das rochas graníticas.

A compreensão do passado é fundamental para o presente. A história do oceano ainda não é totalmente conhecida e provavelmente não será. A Terra é muito dinâmica, muito rápida para destruir os arquivos registrados gravados nas rochas e conchas. Densas placas oceânicas deslizam sob as placas continentais, derretendo o antigo fundo marinho à medida que se cria um novo fundo marinho. (O fundo do mar mais antigo, no Mar Mediterrâneo oriental tem apenas 340 milhões de anos e faz parte de um oceano moribundo).

No entanto, o que descobrimos até agora ressalta a conexão entre o ar, o mar e a terra. Uma mudança maciça em um deles causará um efeito cascata no resto do sistema terrestre, gerando mais transtornos e alterando radicalmente os ecossistemas. Embora a Terra fosse muito diferente há 56 milhões de anos — era muito mais quente do que hoje e não havia camadas de gelo — as implicações para o aquecimento global de hoje são claras.

Hoje

Como parte da missão da Expedição Challenger, os sedimentos do topo do fundo do mar (relativamente recentemente depositados) foram coletados e peneirados para encontrar microfósseis. Os foraminíferos identificados e guardados para futuras pesquisas agora nos fornecem um retrato da história do oceano a partir do qual podemos medir as mudanças ao longo dos últimos 140 anos. Similar às fotos de glaciares de montanha dos anos 70 até hoje, podemos comparar as amostras e os dados físicos (isto é, temperatura e salinidade) com as condições atuais e ver a marca do aquecimento global.

O oceano absorveu 90% de todo o calor aprisionado pelo aumento dos gases de efeito estufa. A água pode reter muito calor — todos nós sabemos disso por conta das bolsas térmicas que aquecem nossos pés nas noites de inverno. Por um lado, sua capacidade térmica relativamente alta significa que pode absorver grandes quantidades de energia sem que sua temperatura geral suba, resultando em um aumento menor da temperatura do ar do que teríamos de outra forma. Por outro lado, essa energia é absorvida por tempestades mortíferas e jogada de volta na nossa direção, moradores da terra firme. Não temos como escapar.

Ao mesmo tempo, como vimos no MTPE, a absorção de dióxido de carbono nos oceanos — como as bolhas de gás em refrigerantes ou champanhe — também está tornando-os mais ácidos. Na verdade, 30% de todas as emissões de CO2 se dissolveram no oceano. Isto é uma má notícia para qualquer coisa que faça uma concha: corais, mariscos, ostras, pterópodes e foraminíferos. De fato, as atuais conchas de foraminíferos são quase 80% mais finas do que as do Challenger. Atualmente, o oceano é 30% mais ácido do que há 200 anos.

Entretanto, estamos bombeando gases de efeito estufa para a atmosfera dez vezes mais rápido do que durante o Máximo Térmico do Paleoceno-Eoceno. A concentração de CO2 atual é maior do que nos últimos 3 milhões de anos. Não há nada análogo no passado da Terra com o que está acontecendo agora. A menos que paremos imediatamente as emissões, indo para emissões líquidas nulas, globalmente, dentro das próximas duas décadas, podemos esperar que as coisas fiquem muito, muito piores.

Os foraminíferos não são usados apenas para descobrir as mudanças passadas no oceano e no clima da Terra. Eles também são usados na exploração de petróleo, ajudando as empresas petrolíferas a entender a idade e o antigo ambiente das rochas sedimentares e a visar certas áreas para perfuração.

Quão irônico (e triste) que os fósseis destes organismos magnificamente simples e elegantes sejam usados para desenterrar a própria substância que agora está poluindo o ambiente de seus descendentes. E obviamente, não apenas os foraminíferos sentirão o impacto. O complexo e delicado ecossistema marinho inteiro — desde os pterópodes no “fundo” da cadeia alimentar até os recifes de coral que fornecem habitat a milhares de outras espécies — será impactado. Até que ponto ainda não podemos dizer com certeza. Mas não será bom.

Não se trata apenas dos gases que retêm calor. Os plásticos feitos de petróleo (que representam de 6 a 8% de todo o consumo de petróleo, globalmente) estão se espalhando por todas as áreas do planeta, desde os microplásticos transportados pelo vento até o topo de algumas das montanhas mais altas até o saco plástico “descoberto” por Victor Vescovo no fundo do oceano.

Todos os anos, de 5 a 12 milhões de toneladas métricas de resíduos plásticos são despejados nos oceanos. Isso é o equivalente a um caminhão de lixo a cada minuto de cada dia. Por volta de 2050, os cientistas prevêem que o peso combinado do plástico no oceano será maior do que o de todos os peixes.

Os resíduos estão concentrados nos 5 giros oceânicos do mundo — vórtices oceânicos imensos causados pelo efeito da rotação da Terra sobre as correntes oceânicas. A maioria das pessoas está familiarizada com a enorme mancha no Pacífico Norte — a Grande Ilha de Lixo do Pacífico — que cobre uma área do tamanho da Rússia.

Infelizmente, o plástico não fica apenas flutuando, de forma benigna com sua vizinhança. Os mamíferos e as aves marinhas, pensando que é alimento, comem amontoados desse plástico e passam fome porque ele não se desmancha e enche seus estômagos, dessa forma eles não conseguem ingerir comida de verdade. Plásticos também ficam presos nos recifes de coral, bloqueando a luz e o oxigênio e liberando toxinas nocivas, o que então permite que doenças se instalem e matem os corais.

Não apenas os animais marinhos e as aves estão ingerindo plásticos, nós também estamos. Se você come regularmente ostras cruas, uma boa tigela de mexilhões cozidos a vapor ou linguine ao vôngole, você pode estar consumindo até 11.000 pequenos pedaços de plástico por ano. O que é jogado no oceano não fica no oceano. Quer percebamos isso ou não, estamos conectados.

Futuro

O oceano permanece em grande parte inexplorado — apenas 1% do fundo do mar e cerca de 5% da água. No entanto, não é por falta de tentativas. Os primeiros termômetros presos à corda mergulhada pela expedição Challenger voltaram quebrados devido à imensa pressão (1.000 vezes mais pesada que o ar). Além disso, temperaturas geladas, falta de luz e toda essa água tornam a coleta de dados extremamente desafiadora. As observações por satélite, que podem capturar dados mais facilmente ao longo do tempo, revelando mudanças sazonais, condições médias e o que é ou não anômalo, são limitadas simplesmente porque a água não é um véu fácil de perfurar. Ainda assim, que maravilhas inspiradoras nós descobrimos.

Quando eu tinha uns dez anos de idade, encontrei uma caixa de conchas que meu pai colecionava de excursões de mergulho na Flórida. Eu me perguntava que criaturas poderiam fazer casas tão bonitas e estranhamente moldadas. Havia também um livro que ele guardava, A Vida nos Oceanos, que eu devorei, memorizando os nomes de peixes de cores brilhantes e desejando poder vê-los na vida real. Cerca de uma década depois, sentei-me em meu dormitório universitário gravando avidamente cada episódio da série Planeta Azul da BBC para que eu pudesse vê-lo repetidamente (isto era obviamente antes que toda e qualquer coisa pudesse ser encontrada online e em sites de streaming!) Os mais novos episódios, lançados em 2017, foram o programa mais popular na Grã-Bretanha, e basicamente quebraram a internet na China pelo mero número de pessoas baixando episódios.

David Attenborough, narrador da série Planeta Azul, diz

“Nunca antes tivemos essa consciência, nunca antes tivemos o poder de fazer algo. Certamente temos a responsabilidade de cuidar de nosso planeta azul”.

Mas a realidade é que nunca antes as pessoas estiveram tão perplexas com a escala e a magnitude do problema, se sentiram compelidas e motivadas a fazer alguma coisa, mas depois, simultaneamente, recebem soluções focadas no indivíduo — parar de usar canudos e plásticos — que não são realmente viáveis com suas vidas ocupadas, e se sentem totalmente inadequadas.

Como a recusa de canudos de plástico evitará que a grande indústria pesqueira despeje suas redes de plástico, que compõem quase metade do lixo plástico na Grande Ilha de Lixo do Pacífico? Como parar os derramamentos de petróleo, a perfuração de petróleo, a pesca excessiva, o escoamento químico da pecuária industrial, a caça comercial de baleias, a dragagem (raspando o fundo do mar, destruindo o ecossistema), e os gases de efeito estufa que jorram para o ar? Como parar toda a destruição em terra também, que inevitavelmente afeta o oceano?

Mesmo que tivéssemos sucesso em proibir o uso de todos os plásticos não recicláveis em produtos de consumo, pelo qual deveríamos absolutamente lutar, ainda haveria enormes quantidades de plástico sendo despejadas ou perdidas no oceano. A produção capitalista ainda reinaria suprema. Os oceanos ainda seriam usados como lixeiras para a poluição do ar e da terra.

Sejamos francos, o que acontece no oceano, na maioria das vezes, os olhos não veem e o coração não sente. Não podemos ver o impacto da acidificação ou do aquecimento do oceano. Sim, você pode ler sobre isso. Você pode ver fotos e ouvir relatórios de estudos científicos alertando sobre os perigos. Mas nós vamos sentir o impacto desta destruição. Nós já estamos sentindo, na verdade. Simplesmente ainda não ligamos os pontos firmemente em nossas mentes.

Com a elevação do nível do mar, supertempestades, mega secas, fracasso das colheitas e extinção em massa das espécies, a natureza nos obriga a ver o que o capitalismo nega, a interconectividade de toda a vida. E que o nosso planeta é um planeta oceano. Se permitirmos que o modelo atual de negócios continue, o impacto sobre nós será maior e mais severo.

Como disse Karl Marx em 1844, “A natureza é nosso corpo inorgânico, quer dizer, a natureza que não é o corpo humano. Os seres humanos vivem da natureza… e devemos manter um diálogo contínuo com ela se não quisermos morrer. Dizer que nossa vida física e mental está ligada à natureza significa simplesmente que a natureza está ligada a si mesma, pois o homem é uma parte da natureza”.

Como podemos parar a destruição? Comecemos assimilando tudo isso, desde a história de nosso oceano contada pelos minúsculos foraminíferos, as descobertas da maravilhosa e espetacular vida marinha desde a primeira viagem oceanográfica do Challenger até os dias de hoje, até o conhecimento de que nossa sociedade, como organizada hoje sob o capitalismo, está “cutucando uma fera furiosa”. Assimilar tudo isso e combinar com os outros fatos da vida sob o capitalismo — pobreza imensa, guerra, desigualdade desenfreada, racismo, sexismo, homofobia e transfobia. Todo este sofrimento desnecessário para que os já monstruosamente ricos possam ficar mais ricos. E então agir. Agir com o entendimento de que pequenos ajustes aqui e ali, que culpam os indivíduos enquanto deixam os grandes negócios escaparem de sua responsabilidade, não vai funcionar. O oceano nos lembrará disso, se ousarmos ignorar. Aja com confiança de que o desejo de proteger nossos oceanos (e a nós mesmos) é claramente difundido.

Coletivamente, podemos refazer nosso mundo com as necessidades das pessoas e da natureza no coração de nossa economia. Não temos que continuar como está. De fato, não podemos continuar como está. Vamos reimaginar um mundo belo e socialista em nosso magnífico planeta azul e lutar para que isso se torne realidade.

Essa tradução foi possível graças às contribuições feitas pelo Apoia.se. Se você puder e quiser colaborar, o link é apoia.se/leiamarxistas

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