Os Cadernos Ecológicos de Marx — parte 2
Por Kohei Saito via Monthly Review.
Tradução por André Gavasso. Revisão por Débora Cunha
Marx e a Teoria da Interação Metabólica de Fraas
Se as tendências malthusianas de Liebig constituíram uma razão negativa para a alteração de Marx da frase sobre Liebig na segunda edição d’O capital, também houve uma mais positiva: Marx encontrou vários autores que se tornaram tão importantes quanto Liebig para sua crítica ecológica da economia política . Carl Fraas era um deles. Em uma carta de janeiro de 1868, Marx pergunta a Schorlemmer sobre Fraas, um agricultor alemão e professor da Universidade de Munique. Embora Shorlemmer não pudesse oferecer nenhuma informação específica sobre a “teoria da aluvião” de Fraas, Marx começou a ler vários livros de Fraas nos meses seguintes.
O nome de Fraas aparece pela primeira vez nos cadernos de anotações de Marx entre dezembro de 1867 e janeiro de 1868, quando ele nota o título do livro de Fraas Agrarian Crises and Their Solutions (Crises Agrárias e Suas Soluções) [Die Ackerbaukrisen und ihre Heilmittel], uma polêmica contra a teoria de Liebig da exaustão do solo.32 Quando Marx escreveu em uma carta a Engels em janeiro de 1868 que “desde a última vez em que examinei o assunto, todo tipo de coisa nova apareceu na Alemanha”, ele provavelmente estava pensando no livro de Fraas.
Assim que o livro de Fraas foi publicado, suas relações com Liebig ficaram muito tensas, depois que Liebig criticou a ignorância científica de educadores agrícolas e fazendeiros práticos em Munique, onde Fraas lecionou por muitos anos. Em resposta, Fraas defendeu a práxis agrária em Munique e argumentou que a teoria de Liebig havia sido supervalorizada e representava um retrocesso na teoria malthusiana — que ignorava várias formas históricas de agricultura que mantinham e até aumentavam a produtividade sem causar o esgotamento do solo. De acordo com Fraas, o pessimismo de Liebig surgiu de seu pressuposto tácito de que os humanos devem ser capazes de devolver substâncias inorgânicas e, portanto, o solo exigia — se a divisão entre cidade e campo não fosse dissolvida — a introdução de fertilizantes artificiais, que, no entanto, acabaria sendo muito cara. Em contraste, Fraas sugere um método mais acessível, usando o poder da própria natureza para sustentar a fertilidade do solo, conforme representado em sua “teoria da aluvião”.33
Na definição de Charles Lyell, aluvião é “terra, areia, cascalho, pedras e outros materiais transportados que foram arrastados e lançados por rios, inundações ou outras causas, em terras não permanentemente submersas sob as águas de lagos ou mares.”34 Os materiais aluviais contêm grandes quantidades de substâncias minerais vitais para o crescimento das plantas. Consequentemente, os solos desenvolvidos a partir da deposição regular de tais materiais — geralmente adjacentes a rios em vales — produzem ricas safras ano após ano sem fertilizantes, como nos bancos de areia do Danúbio, nos deltas do Nilo ou do Pó, ou na planície aluvial do rio Mississippi. Os sedimentos rejuvenescedores na água das enchentes são derivados da erosão na parte superior da bacia hidrográfica. Consequentemente, a riqueza do solo aluvial é o resultado do empobrecimento dos solos rio acima, muito provavelmente de encostas de colinas e montanhas. Inspirado por esses exemplos na natureza, Fraas sugere a construção de uma “aluvião artificial”, regulando a água dos rios por meio da construção de represas temporárias sobre campos agrários, fornecendo-lhes de forma barata e quase eterna os minerais essenciais. O caderno de anotações de Marx confirma que ele estudou cuidadosamente os argumentos de Fraas sobre os méritos práticos da aluvião na agricultura.35
O que mais interessou Marx sobre Fraas, entretanto, provavelmente não foi a teoria da aluvião. Depois de ler Fraas avidamente, documentando várias passagens em seus cadernos de anotações, Marx escreve a Engels em uma carta datada de 25 de março de 1868, elogiando o livro de Fraas, Climate and the Plant World Over Time (Clima e o Mundo das Plantas ao Longo do Tempo) [Klima und Pflanzenwelt in der Zeit]:
Muito interessante é o livro de Fraas (1847): Klima und Pflanzenwelt in der Zeit, eine Geschichte beider [Climate and the Plant World Over Time], nomeadamente como prova de que o clima e a flora mudam em tempos históricos.… Ele afirma que com o cultivo — dependendo de seu grau — a “umidade”, tão amada pelos camponeses, se perde (portanto, também as plantas migram do sul para o norte) e, finalmente, ocorre a formação da estepe. O primeiro efeito do cultivo é útil, mas no fim é devastador pelo desmatamento, etc…. A conclusão é que o cultivo — quando prossegue em crescimento natural e não é controlado conscientemente (como um burguês, ele naturalmente não chega a este ponto) — deixa desertos atrás dele, Pérsia, Mesopotâmia, etc., Grécia. Portanto, mais uma vez, uma tendência socialista inconsciente!36
Pode parecer surpreendente que Marx tenha encontrado até mesmo “uma tendência socialista inconsciente” no livro de Fraas, apesar da crítica severa de Fraas a Liebig. Climate and the Plant World Over Time explica como civilizações antigas, especialmente a Grécia antiga — Fraas passou sete anos como inspetor do jardim e professor de botânica na Universidade de Atenas — colapsaram depois que o desmatamento não regulamentado causou mudanças insustentáveis no ambiente local. Como as plantas nativas não podiam mais se adaptar ao novo ambiente, a formação da estepe ou, no pior dos casos, a desertificação se instalou. (Embora a interpretação de Fraas tenha sido influente, alguns argumentariam hoje que o que ocorreu não foi a “desertificação” como tal, mas sim o crescimento de plantas que exigiam menos umidade — porque grande parte da chuva foi perdida como escoamento em vez de se infiltrar no solo.)
Em nosso contexto, é antes de tudo interessante notar que Fraas enfatizou a importância de um “clima natural” para o crescimento das plantas, devido a sua grande influência no processo de intemperismo dos solos. Portanto, não basta apenas analisar a composição química do solo, pois as reações mecânicas e químicas no solo, essenciais para o processo de intemperismo, dependem fortemente de fatores climáticos como temperatura, umidade e precipitação. É por isso que Fraas caracterizou seu próprio campo de pesquisa e método como “física agrícola”, em claro contraste com a “química agrícola” de Liebig.37 De acordo com Fraas, em certas áreas onde as condições climáticas são mais favoráveis e os solos são adjacentes a rios e inundam regularmente com água contendo sedimentos, é possível produzir grandes quantidades de safras sem medo do esgotamento do solo, pois a natureza cumpre automaticamente a “lei da reposição” por meio de depósitos aluviais. Isso, é claro, se aplicaria a apenas alguns dos solos de qualquer país em particular.
Depois de ler os livros de Fraas, Marx ficou mais interessado na tal “física agrícola”, como disse a Engels: “Devemos ficar de olho nas novidades recentes e mais atuais da agricultura. A escola física é contraposta à química.”38 Aqui é possível discernir uma mudança clara nos interesses de Marx. Em janeiro de 1868, Marx estava acompanhando principalmente os debates dentro da “escola química”, em termos de se o fertilizante mineral ou de nitrogênio era mais eficaz. Como ele já havia estudado o assunto em 1861, ele agora achava necessário estudar os desenvolvimentos recentes “até certo ponto”. Após dois meses e meio e um exame intensivo das obras de Fraas, no entanto, Marx agrupou Liebig e Lawes em uma mesma “escola química” e tratou a teoria de Fraas como uma escola “física” independente. Notavelmente, essa categorização reflete o próprio julgamento de Fraas, pois ele reclamou que tanto Liebig quanto Lawes apresentaram argumentos abstratos e unilaterais sobre o esgotamento do solo, colocando muita ênfase apenas no componente químico do crescimento das plantas.39 Como resultado, Marx passou a acreditar que ele “deveria” estudar os mais novos desenvolvimentos no campo da agricultura com muito mais cuidado.
A singularidade de Fraas também é evidente em sua atenção ao impacto humano no processo de mudança climática histórica. De fato, o livro de Fraas oferece um dos primeiros estudos sobre o assunto, mais tarde elogiado por George Perkins Marsh em Man and Nature (O Homem e a Natureza) (1864).40 Baseando-se em textos gregos antigos, Fraas mostrou como espécies de plantas se moviam do sul para o norte, ou das planícies para as montanhas, à medida que o clima local fica gradualmente mais quente e seco. Segundo Fraas, essa mudança climática é resultado do desmatamento excessivo exigido pelas civilizações antigas. Essas histórias da desintegração de sociedades antigas também têm relevância óbvia para nossa situação contemporânea.
Fraas alertou igualmente contra o uso excessivo de madeira pela indústria moderna, um processo já em andamento durante sua época e que teria um grande impacto na civilização europeia. As leituras da obra de Fraas por Marx o apresentaram ao problema do desaparecimento das florestas da Europa, conforme documentado em seu caderno de anotações: “A França agora não tem mais do que um doze avos de sua área florestal anterior, a Inglaterra apenas 4 grandes florestas entre 69 florestas; na Itália e na península do sudoeste da Europa, o povoamento florestal que também era comum nas planícies antigamente não pode mais ser encontrado nem nas montanhas.”41 Fraas lamentou que o posterior desenvolvimento tecnológico permitiria o corte de árvores em altitudes mais altas das montanhas e apenas acelerar o desmatamento.
Lendo o livro de Fraas, Marx percebeu uma grande tensão entre a sustentabilidade ecológica e a demanda cada vez maior por madeira para alimentar a produção capitalista. A visão de Marx sobre a perturbação da “interação metabólica” entre o ser humano e a natureza no capitalismo vai além do problema da exaustão do solo na noção de Liebig e se estende à questão do desmatamento. Claro, como a segunda edição d’O Capital indica, isso não significa que Marx abandonou a teoria de Liebig. Pelo contrário, ele continuou a honrar a contribuição de Liebig como essencial para sua crítica à agricultura moderna. Entretanto, quando Marx escreveu sobre uma “tendência socialista inconsciente” na obra de Fraas, é claro que ele agora considerava a reabilitação do metabolismo entre o ser humano e a natureza como um projeto central do socialismo, com um escopo muito maior do que na primeira edição do volume um d’O Capital.
O interesse de Marx no desmatamento não se limitou a ler Fraas. No início de 1868, ele também leu History of the Past and Present State of the Labouring Population (História do Passado e do Estado Atual da População Trabalhadora) de John D. Tuckett, observando o número de páginas importantes. Em uma daquelas poucas páginas que Marx registrou, Tuckett argumenta:
A indolência de nossos antepassados parece motivo de pesar, por negligenciar o cultivo de árvores e, em muitos casos, causar a destruição das florestas sem substituí-las suficientemente por mudas. Este desperdício geral parece ter sido maior pouco antes do uso de carvão marinho [para fundição de ferro] ser descoberto, quando o consumo para uso de ferro forjado era tão grande que parecia que iria varrer toda a madeira e a mata no país.… Porém, nos dias atuais, as plantações de árvores, não só aumentam a utilidade, mas também tendem a embelezar o país, e produzem proteções para quebrar as rápidas correntes dos ventos.… A grande vantagem em plantar um grande conjunto de mata em um país nu não é percebido à primeira vista. Como não há nada para resistir aos ventos frios, o gado alimentado nele tem crescimento atrofiado e a vegetação muitas vezes tem a aparência de estar chamuscada pelo fogo ou golpeada com um pau. Além disso, ao dar calor e conforto ao gado, metade da forragem irá satisfazê-lo.42
As florestas desempenham um importante papel econômico na agricultura e na pecuária, e isso é claramente o que interessava a Marx em 1868.
Embora Marx não mencione diretamente o trabalho de Fraas ou de Tuckett após 1868, a influência de suas idéias é claramente visível no segundo manuscrito para o volume dois d’O Capital, escrito entre 1868 e 1870. Marx já havia notado no manuscrito para o volume três que o desmatamento não seria sustentável sob o sistema da propriedade privada, mesmo que pudesse ser mais ou menos sustentável quando conduzido sob propriedade estatal.43 Depois de 1868, Marx deu mais atenção ao problema do sistema moderno de roubo, que agora ele expandiu da produção agrícola até o desmatamento. Nesse sentido, Marx cita o Manual of Agricultural Business Operations (Manual de Operações Empresariais Agrícolas) [Handbuch der landwirthschaftlichen Betriebslehre] (1852) de Friedrich Kirchhof, em defesa da incompatibilidade entre a lógica do capital e as características materiais do florestamento.44 Ele aponta que o longo tempo necessário para o florestamento impõe um limite natural, obrigando o capital a tentar encurtar o ciclo de desmatamento e rebrota o máximo possível. No manuscrito do volume dois de O Capital, Marx comenta uma passagem do livro de Kirchhof: “O desenvolvimento da cultura e da indústria em geral se evidenciou em uma destruição tão enérgica da floresta que tudo feito por ela ao contrário para sua preservação e restauração parece infinitesimal.”45 Marx certamente tem consciência do perigo de que esse desmatamento venha a causar não apenas uma escassez de madeira, mas também uma mudança climática, que está ligada a uma crise mais existencial da civilização humana.
Uma comparação com a escrita do jovem Marx ilustra esse dramático desenvolvimento de seu pensamento ecológico. No Manifesto Comunista, Marx e Engels escrevem sobre as mudanças históricas trazidas pelo poder do capital:
A burguesia, durante seu domínio de escassos cem anos, criou forças produtivas mais massivas e colossais do que todas as gerações anteriores juntas. Sujeição das forças da Natureza ao homem, maquinário, aplicação da química à indústria e agricultura, navegação a vapor, ferrovias, telégrafos elétricos, arroteamento de continentes inteiros para cultivo, canalização de rios, populações inteiras brotando da terra.46
Michael Löwy criticou esta passagem como uma manifestação da atitude ingênua de Marx e Engels em relação à modernização e ignorância sobre a destruição ecológica sob o desenvolvimento capitalista: “Prestando homenagem à burguesia por sua capacidade sem precedentes de desenvolver as forças produtivas”, escreve ele, “Marx e Engels celebraram sem reservas a ‘sujeição das forças da natureza ao homem’ e o ‘arroteamento de continentes inteiros para cultivo’ pela produção burguesa moderna.”47 A leitura de Löwy do alegado “prometeísmo” de Marx pode parecer difícil de refutar aqui, embora Foster forneça outra visão.48 No entanto, a crítica de Löwy, mesmo que sua interpretação reflita com precisão o pensamento de Marx na época, dificilmente pode ser generalizada ao longo de toda a carreira de Marx, uma vez que sua crítica ao capitalismo tornou-se cada vez mais ecológica a cada ano que passava. Como visto acima, a evolução de seu pensamento subsequente ao volume um d’O Capital mostra que, em seus últimos anos, Marx tornou-se seriamente interessado no problema do desmatamento, e é altamente duvidoso que o falecido Marx elogiasse o desmatamento em massa em nome do progresso, sem levar em conta a regulação consciente e sustentável da interação metabólica entre a humanidade e a natureza.
O Escopo Adicional da Crítica Ecológica de Marx
Os interesses ecológicos de Marx neste período também se estendiam à pecuária. Em 1865–1866, ele já havia lido Rural Economy of England, Scotland, and Ireland (Economia Rural da Inglaterra, Escócia e Irlanda), de Léonce de Lavergne, em que o economista agrícola francês defendia a superioridade da agricultura inglesa. Lavergne deu como exemplo o processo de criação inglês desenvolvido por Robert Bakewell, com seu “sistema de seleção”, permitindo que as ovelhas crescessem mais rápido e fornecessem mais carne, com apenas a massa óssea necessária para sua sobrevivência.49 A reação de Marx em seu caderno a essa “melhora” é sugestivo: “Caracterizado pela precocidade, totalmente doentio, carente de ossos, muito desenvolvimento de gordura e carne etc. Todos esses são produtos artificiais. Nojento!”50 Essas observações desmentem qualquer imagem de Marx como um defensor acrítico dos avanços tecnológicos modernos.
Desde o início do século XIX, as ovelhas “New Leicester” de Bakewell foram trazidas para a Irlanda, onde foram cruzadas com ovelhas indígenas para produzir uma nova raça, Roscommon, com o objetivo de aumentar a produtividade agrícola da Irlanda.51 Marx estava totalmente ciente dessa modificação dos ecossistemas regionais para fins de acumulação de capital, e rejeitou-a apesar de sua aparente “melhoria” da produtividade: a saúde e o bem-estar dos animais estavam sendo subordinados à utilidade do capital. Assim, Marx deixou claro em 1865 que esse tipo de “progresso” realmente não era nenhum progresso, porque só poderia ser alcançado aniquilando a interação metabólica sustentável entre os humanos e a natureza.
Quando Marx voltou ao tópico da criação de gado capitalista no segundo manuscrito do volume dois d’O Capital, ele a considerou insustentável pelo mesmo motivo que marcou o florestamento capitalista: o tempo de produção é muitas vezes simplesmente longo demais para o capital. Aqui, Marx se refere às Falácias Políticas, Agrícolas e Comerciais (Political, Agricultural and Commercial Fallacies) de William Walter Good (1866):
Por esta razão, lembrando que a agricultura é regida pelos princípios da economia política, os bezerros que vinham para o sul dos condados leiteiros para a criação são agora amplamente sacrificados, às vezes em uma semana e dez dias de idade, nas ruínas de Birmingham, Manchester, Liverpool e outras grandes cidades vizinhas … O que esses homenzinhos agora dizem, em resposta às recomendações para criação, é: “Sabemos muito bem que valeria a pena criar com leite, mas primeiro exigiria que colocássemos as mãos em nossa bolsa, o que não podemos fazer, e então teríamos que esperar muito tempo por uma devolução, em vez de obtê-la de uma vez por leite.”52
Não importa o quão rápido o crescimento do gado se torne, graças a Bakewell e outros criadores, ele apenas encurta o tempo de abate prematuro em favor de um giro de capital mais curto. Segundo Marx, isso também não conta como “desenvolvimento” das forças produtivas, precisamente porque só pode ocorrer sacrificando a sustentabilidade em prol do lucro de curto prazo.
Todos esses são apenas exemplos encontrados nos cadernos de 1868. Marx na época também ficou intrigado com Questão do Carvão (Coal Question) de William Stanley Jevons (1865), cuja advertência sobre o esgotamento do suprimento de carvão da Inglaterra provocou intensa discussão no Parlamento.53 Sem dúvida, Marx estava estudando os livros mencionados acima enquanto preparava os manuscritos d’O Capital, e continuou a fazê-lo nas décadas de 1870 e 1880. Portanto, é bastante razoável concluir que Marx planejava usar esses novos materiais empíricos para elaborar questões como a rotação do capital, a teoria da renda e a taxa de lucro. Em uma passagem, Marx na verdade escreve que o abate prematuro acabará por causar “grandes danos” à produção agrícola.54 Ou, como Marx discute em outra seção do manuscrito de 1867–68, o esgotamento dos solos ou minas também poderia atingir tal extensão que a “condição natural decrescente de produtividade” na agricultura e na indústria extrativa não poderia mais ser contrabalançada pelo aumento da produtividade do trabalho.55
Não surpreendentemente, os cálculos de Marx das taxas de lucro no manuscrito incluem aqueles casos em que as taxas de lucro afundam devido aos aumentos de preços nas partes “flutuantes” do capital constante, sugerindo que a lei da taxa de lucro em queda não deve ser tratada como uma mera fórmula matemática . Sua dinâmica real está intimamente ligada aos componentes materiais do capital e não pode ser tratada independentemente deles.56 Em outras palavras, a valorização e a acumulação do capital não é um movimento abstrato de valor; o capital é necessariamente encarnado em componentes materiais, inevitavelmente assumindo uma “composição orgânica” — um termo tirado de Agricultural Chemistry de Liebig — restringida por elementos materiais concretos do processo de trabalho. Apesar de sua elasticidade, essa estrutura orgânica do capital não pode ser modificada arbitrariamente, ou levada a divergir muito do caráter material de cada elemento natural da produção. Em última análise, o capital não pode ignorar o mundo natural.
Isso não significa que o capitalismo inevitavelmente entrará em colapso um dia. Explorando plenamente a elasticidade material, o capital sempre tenta superar as limitações por meio da inovação científica e tecnológica. O potencial de adaptação do capitalismo é tão grande que ele provavelmente pode sobreviver como um sistema social dominante até que muitas partes da terra se tornem inadequadas para a habitação humana.57 Como os cadernos de Marx sobre as ciências naturais documentam, ele estava particularmente interessado em compreender as rupturas no processo de interação metabólica entre o homem e a natureza que resulta das transformações infinitas do mundo material em prol da valorização eficiente do capital. Essas rupturas metabólicas são ainda mais desastrosas porque corroem as condições materiais para o “desenvolvimento humano sustentável”.58
Marx entendeu essas cisões como uma manifestação das contradições fundamentais do capitalismo e achou necessário estudá-las cuidadosamente como parte da construção de um movimento socialista radical. Conforme mostrado neste artigo, Marx estava bem ciente de que a crítica ecológica do capitalismo não foi concluída pela teoria de Liebig e tentou desenvolvê-la e estendê-la com base em novas pesquisas de diversas áreas da ecologia, agricultura e botânica. A teoria econômica e ecológica de Marx não está desatualizada, mas permanece totalmente aberta a novas possibilidades para integrar o conhecimento científico natural com a crítica do capitalismo contemporâneo.
Notas
32. MEA, Sign. B 107, 13.
33. Carl Fraas, Die Ackerbaukrisen und ihre Heilmittel (Leipzig: Brockhaus, 1866), 151.
34. Charles Lyell, Principles of Geology, vol. 3 (London: John Murray, 1832),
35. MEA, Sign. B 107, 94; Carl Fraas, Die Natur der Landwirthschaft, vol. 1 (München: Cotta’sche, 1857) 17.
36. Marx eEngels, Collected Works, vol. 42, 559.
37. Fraas, Natur der Landwirthschaft, vol. 1, 357.
38. Marx eEngels, Collected Works, vol. 42, 559.
39. Fraas, Die Ackerbaukrisen und ihre Heilmittel, 141.
40. George Perkins Marsh, Man eNature (Seattle: University of Washington Press, 2003), 14.
41. MEA, Sign. B 112, 45. Carl Fraas, Klima und Pflanzenwelt in der Zeit: Ein Beitrag zur Geschichte beider (Landshut: J. G. Wölfle, 1847), 7.
42. MEA, Sign. B 111, 1. John Devell Tuckett, A History of the Past and Present State of the Labouring Population (London: Longman, Brown, Green and Longmans, 1846), vol. 2, 402.
43. MEGA II, vol. 4.2, 670.
44. Friedrich Kirchhof, Handbuch der landwirthschaftlichen Betriebslehre (Dessau: Moriz Ratz, 1852). Marx tinha uma cópia desse livro (MEGA IV, vol. 32, 673).
45. MEGA II, vol. 11, 203; Karl Marx, Capital, vol. 2 (London: Penguin, 1978), 322.
46. Marx eEngels, Collected Works, vol. 6, 489.
47. Michael Löwy, “Globalization and Internationalism: How Up-to-date is the Communist Manifesto?” Monthly Review 50, no. 6 (November 1998): 20
48. John Bellamy Foster, The Ecological Revolution(New York: Monthly Review Press, 2009), 213–32.
49. Léonce de Lavergne, Rural Economy of England, Scotland, and Ireland (Edinburgh: William Blackwood, 1855), 19–20, 37–39.
50. MEA, Sign. B 106, 209; William Walter Good, Political, Agricultural and Commerical Fallacies (London: Edward Stanford, 1866), 11–12.
51. Janet Vorwald Dohner, ed., The Encyclopedia of Historic and Endangered Livestock and Poultry Breeds (New Haven, CT: Yale University Press, 2001), 121.
52. MEGA II, vol. 11, 188.
53. MEA, Sign. B 128, 2.
54. MEGA II, vol. 11, 187.
55. MEGA II, vol. 4.3, 80.
56. Para um tratamento matemático da lei, ver Michael Heinrich, An Introduction to the Three Volumes of Karl Marx’s Capital (New York: Monthly Review Press, 2012), chapter 7.
57. Burkett, Marx and Nature, 192.
58. John Bellamy Foster, “The Great Capitalist Climacteric,” Monthly Review 67, no. 6 (November 2015): 9.
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