Marx e o Especismo Alienado

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41 min readFeb 8, 2022

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por John Bellamy Foster e Brett Clark. Publicado em 01 de dezembro de 2018.

Traduzido por Lucas Chagas. Revisado por Débora Cunha e Rebecca Borges.

O texto a seguir é uma resposta ao artigo “Humanism = Speciesism: Marx on Humans and Animals” de Ted Benton publicado na revista Radical Philosophy

Poucas controvérsias acadêmicas contemporâneas na esquerda são mais enérgicas do que as que giram em torno da visão de Karl Marx sobre o status dos animais na sociedade humana. Vários estudiosos dos direitos dos animais de esquerda, incluindo alguns ecossocialistas, alegam que Marx era especista em seus primeiros escritos. Além disso, afirma-se que, apesar da sua posterior adesão às opiniões darwinianas, Marx e Friedrich Engels nunca transcenderam completamente esta perspectiva especista profundamente enraizada, o que por consequência infectou o materialismo histórico como um todo. Estes críticos concentram suas objeções principalmente nos Manuscritos Econômico-Filosóficos de 1844, afirmando que Marx apresentou uma perspectiva antropocêntrica e dualista de uma interrupção, ao invés de uma continuidade, entre animais não humanos e humanos, assim justificando ontologicamente uma abordagem exploratória e instrumentalista das relações homem-animal que ignorava ou negava o sofrimento animal e era cega às condições básicas da existência animal.

O ecossocialista pioneiro Ted Benton oferece a crítica clássica a Marx a este respeito. Benton argumenta que a abordagem dominante de Marx sobre a relação homem-animal, particularmente nos seus primeiros escritos, não era apenas “especista”, mas, em virtude do seu humanismo antropocêntrico, era também um exemplo de “um narcisismo de espécie bastante fantástico”. Os pontos de vista de Marx, acrescenta, baseavam-se no dualismo cartesiano, que separava radicalmente o ser humano (mente) do animal (máquina). Benton afirma que Marx viu os animais como permanentemente “fixos” nas suas capacidades. Além disso, ao descrever como a alienação do trabalho reduziu o ser humano a uma condição animal, Marx teria rebaixado a vida animal.1

Outros críticos de Marx da vertente dos direitos dos animais seguiram o exemplo. Renzo Llorente afirma que um “certo especismo [era] constitutivo do pensamento… de Marx” e que toda a sua teoria do trabalho alienado era “baseada numa divisão entre animais humanos e não humanos”.2 John Sanbonmatsu alega que Marx avançou o “extermínio no campo do pensamento da existência sensorial, e das experiências, de milhares de milhões de outros seres-no-mundo em sofrimento na terra”.3 Katherine Perlo insiste que Marx cometeu “violência ideológica” contra os animais, enquanto David Sztybel afirma que ele considerava os animais como tendo “valor meramente instrumental”, como qualquer máquina.4

O termo especismo [speciesism, em inglês] foi cunhado por Richard Ryder em 1970, e é definido no Oxford English Dictionary de 1985 como “discriminação ou exploração de certas espécies animais, com base no pressuposto da superioridade da espécie humana”.5 Mas enquanto o especismo é formalmente definido como uma diferenciação entre seres humanos e animais que acarreta em discriminação e exploração de outras espécies, houve uma tendência entre estudiosos dos direitos dos animais a expandir o conceito para aplicá-lo a qualquer diferenciação entre a espécie humana e outras espécies animais, quer isto seja ou não efetivamente utilizado para justificar discriminação ou abuso.6

Assim, Benton declara que Marx suscita um forte “contraste entre o humano e o animal [que] remove a base ontológica para…uma análise crítica das formas de sofrimento partilhadas tanto pelos animais como pelos humanos”.7 Aqui a acusação não é que Marx tenha, em algum momento, procurado justificar diretamente o sofrimento dos animais, do que não há evidências, mas simplesmente que a sua ontologia humanista mina toda a base ontológica para o reconhecimento do sofrimento dos animais. Assim, Benton declara que “o humanismo é igual ao especismo”, em oposição direta à noção de Marx de que um “humanismo plenamente desenvolvido é igual ao naturalismo”.8

O que é mais notável sobre essas críticas a Marx como pensador especista é que elas tipicamente se baseiam em tirar um punhado de frases de um ou dois textos fora de contexto, enquanto se ignora os argumentos mais amplos de Marx e o seu corpus intelectual como um todo. A isto junta-se a negligência das condições históricas abrangentes, influências intelectuais e debates a partir dos quais o tratamento de Marx da dialética homem-animal se origina — embora isso seja crucial para qualquer compreensão significativa do seu pensamento nessa área. Isso inclui: (1) os seus estudos sobre Epicuro e Lucrécio; (2) o seu conhecimento do debate alemão sobre os impulsos e a psicologia dos animais, mais notavelmente o trabalho de Hermann Samuel Reimarus; (3) a sua crítica a René Descartes quanto a animais e mecanismo; (4) a sua utilização da noção de ser genérico de Ludwig Feuerbach; (5) a sua incorporação da teoria evolutiva de Charles Darwin; e (6) o seu desenvolvimento do conceito de metabolismo sócio-ecológico baseado em Justus von Liebig e outros. Afirmações de que o materialismo histórico clássico era especista também, necessariamente, subestimam as explorações de Engels da ecologia animal-humana.

É importante reconhecer que as discussões de Marx sobre animais foram fundamentalmente históricas, materialistas, e de orientação natural-científica. Os exames de Marx e Engels sobre a posição dos animais na sociedade não foram, portanto, dirigidos a questões de filosofia moral, como é o caso da maioria dos seus críticos. Da mesma forma, o valor do materialismo histórico clássico nesta área é o que ele nos ensina concretamente no que se refere à mudança das relações entre seres humanos e outros animais, particularmente no que diz respeito à evolução das condições ecológicas, incluindo aquilo a que Marx chamou a “degradação” da vida animal sob o capitalismo.9

Embora obviamente esse não tenha sido o foco principal do seu trabalho, que foi dedicado ao desenvolvimento de uma crítica do modo de produção capitalista, a preocupação e afinidade com os animais não está ausente da análise de Marx.10 De forma geral, sua consideração da dialética homem-animal foi afetada por uma concepção da especificidade histórica das relações homem-animal, associada a diferentes modos produtivos. Isso deu origem à crítica de Marx àquilo que o cientista político Bradley J. Macdonald chamou de “especismo alienado” resultante da alienação capitalista da natureza.11

Epicuro e a Dialética Homem-Animal

O pensamento histórico-materialista de Marx foi profundamente afetado pelas suas explorações do materialismo epicuriano — o tema da sua tese de doutorado.12 É central para o epicurismo uma perspectiva protoevolucionária e uma ênfase na estreita relação material de seres humanos e outros animais, visto que toda a vida emerge da terra. Os animais, assim como os humanos, são vistos como seres sencientes que experimentam dor e prazer.13 O epicurismo aborda a destruição ambiental, incluindo a extinção de espécies.14 Como colocou Marx, para Epicuro, “o mundo é meu amigo”.15

Ironicamente, dada a ênfase do materialismo epicuriano numa forte ligação homem-animal e a influência disso em Marx, tanto Benton como Sztybel, em suas críticas, optaram por citar, fora do contexto, uma declaração dos cadernos epicurianos de Marx onde ele declara: “Se um filósofo não acha ultrajante considerar o homem como um animal, ele não deve ter compreendido nada”.16 Para Benton, esta é uma evidência clara e convincente de um “dualismo humano/animal extremo e inequívoco” da parte de Marx.17 Da mesma forma, para Sztybel, essa afirmação é uma indicação de que Marx, nessa fase inicial, carece de uma perspectiva naturalista e adota uma abordagem de forma geral instrumentalista em relação aos animais.18 Nenhum dos dois críticos, contudo, examina o contexto verdadeiro em que essa frase apareceu — isto é, a crítica de Marx ao ataque de Plutarco ao materialismo epicuriano por rejeitar uma religião baseada no medo. Assim, na frase imediatamente anterior, que nem Benton nem Sztybel citam, Marx transmite o que ele considera ser a opinião de Plutarco: “Porque no medo, e de fato um medo interior, inextinguível, o homem é determinado como animal [que é desprovido de razão e liberdade], e é absolutamente indiferente a um animal a forma como ele é mantido sob controle”.19 Nesta passagem, Marx opõe-se à polêmica anti-epicuriana de Plutarco em That Epicurus Actually Makes a Pleasant Life Impossible (De Como Epicuro Realmente Torna Impossível Uma Vida Prazerosa) e Against Colotes (Contra Colotes).20 Nessas obras, e particularmente na primeira, Plutarco, seguindo Platão, afirmou que a religião das massas deveria basear-se no medo, incluindo o medo do além (“The Hell of the Populace” [“O Inferno da População”]).21

O feroz conflito de Marx com Plutarco, no contexto do ataque do último à crítica epicuriana da religião e da imortalidade, é a base de um apêndice à sua dissertação (intitulado “Crítica da Polêmica de Plutarco contra a Teologia de Epicuro” — apenas um fragmento do qual sobreviveu), onde são apresentadas as mesmas observações críticas sobre Plutarco. O argumento de Marx é que a razão permite ao ser humano transcender o que Plutarco vê como o “medo interior que não se pode extinguir” dos animais.22 Aqui, Marx, seguindo Epicuro, reconhece o parentesco entre o sofrimento animal e o sofrimento humano. Ele destaca também, em oposição a Plutarco, a base “corpórea” dos seres humanos, ligando-os a outros animais — visto que os humanos não têm almas imortais mais do que os animais o as têm — enquanto ressalta o potencial da humanidade de se elevar pela razão prática, ou seja, pela existência material autoconsciente.23

A falta de conhecimento do materialismo epicuriano pelos críticos da vertente dos direitos dos animais afeta as críticas a Marx também de outras formas. Numa tentativa de demonstrar que Marx vê os animais de forma puramente instrumental, Sztybel cita a afirmação de Marx nos Manuscritos Econômico-Filosóficos de que “a natureza também, tomada de forma abstrata, por si própria, e rigidamente separada do homem, é nada para o homem”. Desconhecendo que essa é uma alusão a uma das principais doutrinas de Epicuro, Sztybel conclui que Marx quis dizer que a natureza, incluindo a vida animal, é “na melhor das hipóteses, de valor instrumental.”24 No entanto, nenhum indivíduo classicamente educado na época de Marx falharia em reconhecer na afirmação de Marx a famosa declaração de Epicuro (que Marx citou ao longo da sua vida): “A morte não é nada para nós. Pois o que foi dissolvido não tem sentido-experiência, e o que não tem sentido-experiência não é nada para nós”. 25

Assim, ao escrever que a natureza separada da humanidade, ou seja, fora da interação sensorial e material, era nada para a humanidade, Marx salientava o fato de que os seres humanos são seres objetivos, corpóreos e sensoriais — o principal ponto da sua crítica a Georg Wilhelm Friedrich Hegel nessa parte dos Manuscritos Econômico-Filosóficos . Removido das ligações sensoriais à terra, que definem os seres humanos — tal como definem todos os seres corpóreos — enquanto seres vivos e passíveis de sofrimento, era óbvio que a natureza nos termos de Marx (como nos de Epicuro) não era “nada para o homem”. Divorciados da natureza, os seres humanos, tal como os animais não humanos, não têm qualquer existência. Longe de promover uma abordagem instrumentalista dos animais, o que Marx está enfatizando aqui é a relação material que governa a existência dos seres humanos e de todas as espécies. Em vez de representar uma separação dos seres humanos de outros animais ou uma justificação moral para o uso utilitário dos últimos, esta afirmação foi uma expressão da sua existência partilhada como seres físicos. Assim como Joseph Fracchia argumenta, para Marx, foi a “organização corpórea humana” que tanto identificou os seres humanos como animais quanto serviu para os distinguir de todos os outros animais.26

De fato, em vez de negar a ligação entre seres humanos e outros animais, Marx escreveu em A Questão Judaica em 1843, antes dos seus Manuscritos Econômico-Filosóficos , que, “a visão da natureza que cresceu sob o regime da propriedade privada e do dinheiro é um verdadeiro desprezo e degradação prática da natureza. … Neste sentido, Thomas Müntzer declara ser intolerável que ‘todas as criaturas tenham sido transformadas em propriedade, os peixes na água, as aves no céu, as plantas na terra — todos os seres vivos devem também tornar-se livres’”.27

A Crítica do Animal-Máquina Cartesiano

Procurando uma base filosófica abrangente para o que ele vê como a visão dualista de Marx de seres humanos e animais, Benton sugere repetidamente que a chamada abordagem especista de Marx da relação homem-animal está presa na “filosofia dualista paradigmática de Descartes”.28 No seu Discurso sobre o Método de 1637, Descartes associou os seres humanos à mente, enquanto os animais eram relegados à condição de máquinas ou autômatos naturais — uma visão que teria um enorme impacto no desenvolvimento do pensamento iluminista.29 No entanto, falta na descrição feita por Benton do alegado dualismo cartesiano de Marx qualquer reconhecimento da crítica do século XVIII e do início do século XIX à noção cartesiana de animal-máquina dentro da filosofia e psicologia alemãs, da qual Marx era herdeiro. Pensadores românticos, idealistas e materialistas alemães desafiaram a hipótese cartesiana do animal-máquina e, no processo, geraram uma nova compreensão revolucionária da psicologia animal (e humana).30 Marx viria a basear as suas próprias críticas à noção do animal-máquina de Descartes nesta longa tradição anti-cartesiana dentro da filosofia alemã.

A figura central na revolta filosófica alemã contra a noção cartesiana do animal-máquina foi o filósofo deísta (e virulentamente anti-epicuriano) Reimarus, cujas descobertas em psicologia animal (e etologia animal) em meados do século XVIII influenciaram pensadores como Immanuel Kant, Johann Gottfried Herder, Johann Gottlieb Fichte, Hegel e Feuerbach.31 Reimarus rejeitou com firmeza a redução cartesiana de animais a máquinas. Também se opôs à noção do filósofo e psicólogo francês Étienne Bonnot de Condillac de que os animais não humanos teriam uma consciência e uma capacidade de aprender com o ambiente essencialmente idêntica à dos seres humanos. Em resposta a tais concepções, Reimarus, no seu Drives of Animals [Pulsões dos Animais] (1760) introduziu o conceito de Trieb ou drive (pulsão) (geralmente traduzido até ao século XX como impulse [impulso] ou instinct [instinto] visto que não havia um equivalente exato em inglês). No que iria gradualmente emergir como a categoria explicativa básica em psicologia, Reimarus argumentava que existiam pulsões inatas em animais (incluindo seres humanos) as quais interagiam com as sensações.32 A pulsão (Trieb) para Reimarus representava assim a capacidade do animal de buscar um fim benéfico “sem qualquer reflexão, experiência e prática individual, sem qualquer treino, exemplo, ou modelo, desde o nascimento, com uma destreza pronta desde o nascimento que fosse magistral em atingir o seu fim”.33

Reimarus desenvolveu uma taxonomia de dez classes e cinquenta e sete subclasses de pulsões, das quais as mais importantes eram as pulsões habilidosas (Kunsttriebe) — mais especificamente, artifício ou atividade habilidosa sob a forma de capacidades inatas governadas por regras para determinadas ações — as quais ele utilizava para descrever a surpreendente proficiência produtiva das abelhas, aranhas, e outros animais. A sua noção de pulsão habilidosa era a de uma pulsão inata que era também agencial, ou seja, uma “pulsão eletiva”, incorporando um elemento de escolha.34 Foi essa análise que influenciou fortemente Marx, que ficou fascinado com a noção de pulsão habilidosa de Reimarus.35

Para Reimarus, os animais não humanos não tinham acesso às concepções mais abstratas, genéricas (relacionadas com o género) das coisas, e portanto aos níveis mais elevados de raciocínio, tais como relação conceitual (metacognição), inferência, reflexão, e linguagem.36 No entanto, os animais tinham, até certo ponto, consciência e imaginação responsivas aos estímulos dos sentidos, os quais interagiam com suas pulsões básicas. Na sua filosofia da história, Kant argumentou sobre essa base que a espécie humana era definida pela sua liberdade de transcender pulsões inatas e de desenvolver fins conscientes baseados na percepção das necessidades psicológicas e éticas humanas gerais.37 Herder acrescentou que os conceitos mais amplos e genéricos que caracterizavam a consciência humana, em comparação com os animais não humanos, eram produto de um conjunto muito mais amplo e universal de experiências que refletiam interações humanas relativamente indeterminadas com o ambiente, permitindo-lhes elevar-se acima de algumas de suas pulsões animais mais fortes.38

Em An Advanced Guide to Psychological Thinking [Um Guia Avançado do Pensamento Psicológico], Robert Ausch indica que, após a publicação do Drives of Animals de Reimarus, o conceito de pulsão (Trieb) foi incorporado à análise da psicologia animal e “os estudiosos do comportamento animal foram forçados a trabalhar dentro da estrutura de Reimarus”.39 Animais de vários tipos eram vistos como portadores de pulsões complexas, inatas, que não eram aprendidas, uniformes e demasiado inteligentes para serem reduzidas a termos mecânicos cartesianos. Se a espécie humana era distinta, na teoria de Reimarus, era devido à sua capacidade de trabalhar com conceitos genéricos, enquanto a relegação cartesiana de animais à condição de máquinas era considerada filosófica e psicologicamente falida.

A tentativa de Marx de desenvolver uma ontologia social do trabalho surgiu sobre essa base, apoiando-se na psicologia animal (e humana) mais avançada de sua época. Ele ficou muito impressionado com a concepção de Reimarus das pulsões habilidosas dos animais e evocou-a ao longo do seu trabalho, por exemplo, ao comparar a produção de ninhos e habitações por parte “da abelha, do castor, da formiga, etc.” com a produção mais consciente exercida pelo trabalho humano. “Uma aranha”, escreveu Marx em O capital, conforme a noção de Reimarus de pulsões habilidosas, “conduz operações que se assemelham às do tecelão, e uma abelha envergonharia muitos arquitetos humanos com a construção das suas células em seu favo de mel. Mas o que distingue o pior arquiteto da melhor das abelhas é que o arquiteto constrói a célula na sua mente antes de a construir em cera”.40 Tal como outros animais, Marx afirmou nos Manuscritos Econômico-Filosóficos, o ser humano “está por um lado,

equipado com forças naturais, com forças vitais, é um ser natural ativo. Tais forças existem nele como disposições e capacidades, como pulsões [Triebe]. Por outro lado, como ser natural, corpóreo, senciente, objetivo, o ser humano é um ser que sofre, condicionado e limitado, como os demais animais e as plantas. Quer dizer, os objetos de suas pulsões existem fora dele como objetos independentes dele; mas são objetos de sua necessidade, objetos essenciais, indispensáveis ao exercício e confirmação de suas forças essenciais. Dizer que o homem é um ser corpóreo, vivo, real, sensual, objetivo, com habilidades naturais, significa dizer que o ser humano possui objetos reais e sensoriais como o objeto de seu ser. 41

O que se destaca aqui é o forte materialismo e naturalismo da análise de Marx, que une os seres humanos com os animais não humanos através do conceito de pulsão relacionado à várias disposições e faculdades.42 Se a espécie humana tem pulsões, necessidades e capacidades sociais mais desenvolvidas em comparação a outros animais, conforme refletido na produção humana e no trabalho social, estas surgem através de uma organização corpórea que une a humanidade com o resto da vida. Segue-se que, embora faltem às espécies animais não humanas as pulsões sociais auto-conscientes características do ser humano como homo faber, elas continuam sendo seres objetivos, sensoriaiss, com as suas próprias formas distintas de vida da espécie, as quais refletem a sua própria organização corpórea, pulsões, necessidades e capacidades.

Benton e outros criticaram fortemente o conceito de “ser genérico” de Marx, o qual ele tirou de Hegel e Feuerbach, por colocar a humanidade numa ordem acima dos animais não humanos, exibindo assim um especismo. No entanto, também aqui abundam os mal-entendidos. O ser genérico (Gattungswesen), por vezes traduzido como ser da espécie, representava, na análise de Marx, as formas distintas de pulsões e capacidades da espécie humana que conduzem a um nível mais elevado de consciência ou autoconsciência, ligado à consciência genérica (objetificação) e ao carácter “universal” da produção humana.43

Feuerbach, com base em Reimarus, Kant, Herder e Fichte, havia argumentado que era a autoconsciência dos seres humanos que lhes permitia verem-se como parte de um ser genérico ou de espécie, ou seja, como seres sociais, e que constituía a “diferença essencial” entre eles e outros animais. “A rigor”, escreveu ele, “a consciência só é dada no caso de um ser para o qual a sua espécie, o seu modo de ser, é um objeto de pensamento. Embora o animal experimente a si próprio como indivíduo — isto é o que significa dizer que tem um sentimento de si mesmo — não o faz como espécie…. A vida interior do homem é constituída pelo fato de o homem se relacionar com sua espécie [genericamente], com o seu modo de ser”.44

Marx assumiu alguns aspectos da concepção de Feuerbach do ser genérico, particularmente a noção de que distintamente a consciência humana seria uma consciência genérica ou consciência de espécie desenvolvida.45 Marx, no entanto, ligou isso tanto ao postulado de pulsões animais subjacentes à psicologia não humana e humana, quanto à noção de seres humanos como seres trabalhadores (homo faber).46 Na concepção materialista de Marx, os seres humanos transformam ativa e conscientemente a sua relação com a natureza e, assim, as suas próprias necessidades e potencialidades através da sua produção. Assim, se na sua teoria da alienação Marx viu essa capacidade de desenvolvimento autoconsciente como caracterizando animais humanos mais do que não humanos, isso não foi concebido como uma distinção hostil destinada a justificar o domínio destes últimos, mas meramente como um reconhecimento das necessidades, forças e capacidades humanas de autodesenvolvimento ativo na história, exercido através do processo de trabalho e produção.

Benton, Llorente, e Sanbonmatsu criticam Marx por alegar que os seres humanos, quando alienados do seu trabalho, ficam reduzidos às disposições que têm em comum com os animais não humanos — comer, beber, procriar, e, no máximo, decorar as suas casas e vestir-se — à medida que se afastam de seu ser genérico especificamente humano enquanto produtores criativos e trabalhadores.47 Nesse sentido, Marx teria promovido uma ontologia especista. Contudo, a análise histórico-materialista clássica de Marx não nega que os seres humanos partilham um parentesco próximo com outros animais biológica e psicologicamente, incluindo numerosas pulsões comuns. Pelo contrário, ele sugere que a espécie humana é distinta na sua capacidade de produzir mais “universalmente” e de forma autoconsciente, sendo assim menos unilateralmente limitada por pulsões específicas do que outros animais. A humanidade é assim capaz de transformar a natureza de um número aparentemente infinito de formas, criando constantemente novas necessidades, capacidades e forças humanas.48

Esse caráter dos seres humanos enquanto seres genéricos auto-conscientes também gera a capacidade de auto-alienação através do desenvolvimento da divisão do trabalho, da propriedade privada, das classes, da produção de mercadorias, etc. A alienação é encarada por Marx como um problema humano exclusivamente auto-imposto, que não deve ser confundido com o sofrimento animal (no qual os seres humanos também participam), que não é o produto de tal auto-alienação. Esta auto-alienação do homem, produto da história humana, é também um afastamento da natureza e de outros seres naturais, resultando num especismo alienado na sociedade capitalista, como na designação cartesiana de animais como máquinas.49

Marx estava perfeitamente consciente das condições ecológicas dos animais e da destruição e poluição infligida a eles pelo capitalismo. Assim, em A Ideologia Alemã, Marx e Engels notoriamente comentam: “A ‘essência’ do peixe é o seu ‘ser’, água…. A ‘essência’ do peixe de água doce é a água de um rio. Mas logo deixa de ser sua essência, não sendo mais um meio adequado de existência assim que o rio se torna um recurso para servir a indústria, assim que é poluído por corantes e outros produtos residuais e navegado por barcos a vapor, ou assim que a água é desviada para canais onde sua simples drenagem pode privar o peixe do seu meio de existência”.50

Marx foi ele próprio um forte crítico da metafísica cartesiana, pela sua remoção da mente/alma do reino animal e pela redução deste a meros movimentos mecânicos.51 Nas palavras de Marx, “Descartes, ao definir os animais como meras máquinas, vê com os olhos do período da manufatura. A visão medieval, por outro lado, era a de que os animais eram assistentes do homem”.52

Marx, Darwin e a Evolução

Benton compara desfavoravelmente os primeiros escritos de Marx aos primeiros escritos de Darwin, que apontou em 1839 nos seus cadernos que os humanos tinham expressões faciais semelhantes às dos orangotangos no zoológico, apontando assim o vínculo entre humanos e animais.53 Contudo, Marx, nove anos mais novo do que Darwin (e que pode não ter visto um orangotango), argumentou apenas alguns anos mais tarde, em 1843, que a mercantilização dos animais era um exemplo da “degradação” da natureza pela sociedade humana — um ponto que o próprio Darwin mal compreendeu, nesse ou em qualquer outro estágio.54 Um ano mais tarde, nos Manuscritos Econômico-Filosóficos , Marx observou explicitamente a estreita relação entre os seres humanos e outros animais como seres naturais objetivos.55

Essa ênfase em fortes ligações entre animais humanos e não humanos não era a visão dominante da época. Charles Lyell, no seu revolucionário Principles of Geology [Princípios da Geologia] (1830–33), com o qual Marx, assim como Darwin, estava familiarizado, dedicou quatro capítulos à extinção de espécies, que em grande parte justificavam a matança de espécies animais pelo homem. “Se empunhamos a espada do extermínio” contra animais, “à medida que avançamos”, escreveu Lyell,

não temos razões para afligir-nos perante o caos cometido, nem para nos imaginarmos, com o poeta escocês [Robert Burns], de que “violamos a união social da natureza”; ou para nos queixarmos, com o melancólico Jacques [Shakespeare, Como Gostais], de que nós

Are mere usurpers, tyrants, and, what’s worse,

To fright the animals, and to kill them up

In their assign’d and native dwelling-place.

Somos meros usurpadores, tiranos, e, o que é pior,

Assustamos os animais, e os matamos

No seu local de designação e moradia

Temos apenas de refletir que, na obtenção da posse da terra pela conquista e na defesa das nossas aquisições pela força, não exercemos qualquer prerrogativa exclusiva. Cada espécie que se tenha espalhado de um pequeno ponto para uma vasta área, deve, da mesma forma, ter marcado o seu progresso pela diminuição, ou total extirpação, de algumas outras.56

Marx e principalmente Engels observaram cuidadosamente a destruição humana das ecologias e espécies locais através da expansão mundial do capitalismo. No entanto, ao contrário de Lyell, não se encontra na análise de Marx e Engels justificação moral alguma para essas ações e suas consequências . Pelo contrário, há uma crítica de como o sistema do capital gerou um especismo alienado. Por exemplo, Engels fez referências aos efeitos gerados pelas espécies invasoras (caprinos) introduzidas pelos colonos europeus na ilha de Santa Helena. Aqui, vê-se uma preocupação com a consequente destruição da ecologia indígena.57

Ideias evolucionárias em um sentido geral precederam em muitos anos a publicação de A Origem das Espécies de Darwin em 1859 e a sua teoria da seleção natural.58 Por conseguinte, não nos deve surpreender que, como materialista consistente, Marx tenha incorporado ideias evolucionárias à sua perspectiva desde o início, insistindo, contra a visão religiosa, já em 1844, na geração espontânea de espécies em algum momento do distante passado geológico. Ele via espécies animais não humanas e humanas partilhando um parentesco evolutivo e morfológico.59 Se Marx disse metaforicamente em 1857 que “a anatomia humana contém uma chave para a anatomia do macaco”, a metáfora estava, no entanto, enraizada num genuíno parentesco morfológico entre os humanos e os primatas superiores.60

Marx deveria estar bem ciente da classificação de Lineu do Homo sapiens dentre os primatas e muito próximo ao macaco.61 Ele havia estudado no ginásio em Trier com o famoso geólogo alemão Johann Steininger. Mais tarde, na Universidade de Berlim, Marx assistiu a aulas de antropologia dadas por Heinrich Steffens, um filósofo natural, bem como um importante geólogo e mineralogista. Marx estava familiarizado com o Discourse on the Revolutionary Upheavals on the Surface of the Globe (Discurso sobre as AgitaçõesRevolucionárias na Superfície do Globo) de Georges Cuvier.62 O seu interesse pela geologia continuaria pelo resto da sua vida. Até mesmo em 1878, ele copiava para os seus cadernos excertos do Student’s Manual of Geology (Manual de Geologia do Estudante) do proeminente geólogo inglês Joseph Beete Jukes, prestando cuidadosa atenção à extinção geológica de espécies resultante do deslocamento de isotermas (zonas climáticas) devido a mudanças paleoclimáticas.63

Em Julho de 1858, apenas duas semanas após a famosa apresentação dos artigos de Darwin e Alfred Russell Wallace, estabelecendo-os como co-descobridores da seleção natural como base para a evolução, Engels escreveu a Marx que “a fisiologia comparativa gera um desprezo fulminante pela exaltação idealista do homem sobre os outros animais. Em cada passo, esbarra-se na mais completa uniformidade de estrutura com o resto dos mamíferos, e nas suas características principais esta uniformidade estende-se a todos os vertebrados e até mesmo — menos claramente — a insetos, crustáceos, minhocas, etc”.64 Marx e Engels admiravam fortemente A Origem das Espécies de Darwin, referindo-se a ele como “o livro que, no campo da história natural, fornece a base para os nossos pontos de vista”.65 E não é surpresa, porque, como indica Fracchia, “a proposição de Marx [em A Ideologia Alemã] da organização corpórea humana como o primeiro fato da história humana equivale a uma revolução copernicana — precisamente porque… é o complemento humano da abordagem de Darwin dos organismos animais em geral”.66

Em resposta aos novos conhecimentos que se desenvolviam nas ciências naturais, Marx e Engels foram ainda mais longe na sua crítica à noção cartesiana de animais-máquina. Assim, Engels forneceu em “The Part Played by Labour in the Transition from Ape to Man” (O Papel do Trabalho na Transição do Macaco Para o Homem) aquilo a que Stephen Jay Gould chamou “a melhor defesa da coevolução gene-cultura no século XIX” (a forma que todas as teorias da evolução humana que explicam o desenvolvimento do cérebro e da linguagem humana devem assumir).67 Nesse mesmo trabalho, Engels tratou da complexa evolução dos animais em relação aos seus ambientes, não simplesmente adaptando-se aos seus ambientes, mas como sujeitos-objetos dialéticos da evolução.68 “É evidente”, escreveu ele, “que não nos ocorreria contestar a capacidade dos animais de agir de forma planejada e premeditada”.69 Em anotações para A Dialética da Natureza, que ele obviamente pretendia desenvolver mais, ele escreveu:

Temos em comum com os animais toda a atividade do entendimento: indução, dedução, e, portanto, também abstração (conceitos genéricos de Dido [cão de Engels]: quadrúpedes e bípedes), análise de objetos desconhecidos (mesmo o abrir de uma noz é o início de uma análise), síntese (em truques com animais), e, como a união de ambos, experimento (no caso de novos obstáculos e situações desconhecidas). Na sua natureza, todos estes modos de proceder — sendo assim, todos os meios de investigação científica que a lógica comum reconhece — são absolutamente os mesmos nos homens e nos animais superiores. Diferem apenas em grau (de desenvolvimento do método em cada caso)…. Por outro lado, o pensamento dialético — precisamente porque pressupõe a investigação da natureza dos próprios conceitos — só é possível para o homem, e para ele numa fase comparativamente elevada de desenvolvimento.70

Da mesma forma, Marx sugeriu nas suas Glosas marginais ao Tratado de economia política de Adolph Wagner que os animais eram capazes de distinguir “teoricamente” tudo o que se referia às suas necessidades. No parágrafo imediatamente seguinte, ele observou com tristeza que “dificilmente apareceria a uma ovelha como uma das suas propriedades ‘úteis’ ser comestível ao homem”, traçando amplos paralelos entre a expropriação (e o sofrimento) de animais e a exploração de trabalhadores. Marx acreditava que os seus três pequenos cães exibiam uma inteligência semelhante à dos seres humanos.71 Marx e Engels adotaram assim uma perspectiva idêntica à de Darwin em A Descendência do Homem — de que “a diferença entre a mente do homem e a dos animais superiores, ainda que grande, é certamente uma diferença em termos de grau e não de tipo”. De fato, tal como Darwin, pode-se dizer que eles concordaram, em geral, com opinião de que a “imensa superioridade” dos seres humanos, quando comparada mesmo com os animais superiores, pode ser atribuída a “faculdades intelectuais” humanas, “hábitos sociais” e “estrutura corpórea”.72

Especismo Alienado e a Ruptura Metabólica

Dada a sua abordagem histórico-materialista, que incorporou ativamente conhecimentos evolutivos e científicos, Marx foi capaz de avaliar como o desenvolvimento do capitalismo transformou as relações entre os animais, criou um especismo alienado, e fomentou um sofrimento animal generalizado. Nesse sentido, John Berger, no seu ensaio “Why Look at Animals?” (Por Que Olhar Para os Animais?), adverte que ver os animais não-humanos como simples fonte de carne, couro ou leite é a-histórico e envolve a imposição de uma concepção do século XIX “rudimentar através dos milênios”.73 Ele aponta que existe tanto uma continuidade quanto uma distinção corpórea entre os seres humanos e os outros animais, visto que são “tanto semelhantes quanto diferentes”. Sublinhando que as relações específicas entre eles foram historicamente alteradas devido a mudanças nas condições socioeconômicas e culturais, Berger assinala que no século XIX, na Europa ocidental e na América do Norte, assistiu-se ao início de um processo, hoje completado pelo capitalismo empresarial do século XX, pelo qual todas as tradições que anteriormente mediaram a relação entre o homem e a natureza foram quebradas. Antes dessa ruptura, os animais constituíam o primeiro círculo do que rodeava o homem. Talvez isso já sugira uma distância demasiado grande. Eles estavam com o homem no centro do mundo dele. Tal centralidade era, naturalmente, econômica e produtiva. Quaisquer que fossem as mudanças nos meios produtivos e na organização social, o homem dependia dos animais para se alimentar, trabalhar, transportar e se vestir.74

A análise de Marx sobre o desenvolvimento histórico do capitalismo destacou esta transição nas relações entre os animais. Para ele, a representação de Descartes dos animais como máquinas representava o status que os animais tinham na produção capitalista de mercadorias. Marx tomou nota das mudanças em curso, tais como a redução dos animais não-humanos a uma fonte de poder e a alteração da sua organização e existência corpórea, imposta para promover a acumulação de capital.

Em O capital, Marx apresentou a relação dinâmica entre o homem e os animais de criação, dando luz a sua estreita proximidade e interdependência. “No período mais antigo da história humana”, indicou, “os animais domesticados, ou seja, animais que sofreram modificações através do trabalho, que foram especialmente criados, desempenham o papel principal como instrumentos de trabalho, junto a pedras, madeira, ossos e conchas, que também foram transformados pelo trabalho”.75 Ao mesmo tempo, ele focou especificamente na forma como o desenvolvimento histórico do capitalismo, incluindo a divisão por cidade e país que o acompanhava, moldou estas condições, reduzindo os animais a simples instrumentos e matérias-primas, como refletido pela lógica geral do sistema. “Animais e plantas que estamos habituados a considerar como produtos da natureza”, explicou Marx,

podem ser, na sua forma atual, não apenas produtos do, digamos, trabalho do ano passado, mas o resultado de uma transformação gradual continuada através de muitas gerações sob controle humano, e através da agência do trabalho humano. No que diz respeito ao instrumento do trabalho em particular, eles mostram vestígios do trabalho de épocas passadas, mesmo ao observador mais superficial, na grande maioria dos casos…. Um determinado produto pode ser utilizado tanto como instrumento do trabalho quanto como matéria-prima no mesmo processo. Tomemos, por exemplo, a engorda do gado, onde o animal é a matéria-prima e, ao mesmo tempo, um instrumento para a produção de estrume [utilizado para fertilizar campos agrícolas].76

Dentro desse sistema de produção generalizada de mercadorias, os animais não humanos frequentemente têm relações variáveis com o capital. No segundo volume de O capital, Marx descreveu como os capitalistas avaliavam a vida das vacas em relação à produção: “Os bovinos como animais de tração são capital fixo; ao serem engordados para abate são matéria-prima que, por fim, passa para a circulação como produto, e assim não é capital fixo, mas circulante”.77 A corporeidade dos animais não-humanos levantou, para o capital, a questão dos custos (incluindo aqueles associados ao tempo de rotação) determinados pelos aspectos ecorregulatórios da reprodução natural. “No caso de meios vivos de trabalho”, explicou Marx, “como os cavalos… o tempo de reprodução é prescrito pela própria natureza. O seu tempo de vida médio como meio de trabalho é determinado por leis naturais. Uma vez transcorrido este período, os artigos gastos devem ser substituídos por novos. Um cavalo não pode ser substituído pouco a pouco, mas apenas por outro cavalo.”78 Enquanto distintos em forma, os cavalos, para o capital, seriam simplesmente máquinas cartesianas permutáveis.

A metade do século XIX, quando Marx estava escrevendo, foi uma época de grande transformação nas relações entre animais humanos e não humanos. Embora a força animal já estivesse há muito tempo em uso, tal como nos campos de lavoura e transporte de mercadorias, a mecanização associada ao desenvolvimento capitalista estava alterando radicalmente as relações animais. Os capitalistas calculavam cuidadosamente qual dentre as forças de animais humanos, não humanos ou das máquinas poderia aumentar mais os lucros. Em alguns casos na Inglaterra, os custos associados à criação e cuidado de cavalos para que puxassem barcaças ao longo dos rios e canais excediam os da contratação de mulheres para realizar a mesma tarefa, devido aos seus salários extraordinariamente baixos (e ao fato de que os custos de reprodução social no lar não estavam inclusos nos seus salários), resultando em mulheres frequentemente substituindo os cavalos como puxadoras de barcaças.79

O capital invariavelmente procura empregar ciência e tecnologia para acelerar a produção de modo a encurtar o tempo associado aos processos naturais e ecorregulatórios, tais como o crescimento dos animais, com o objectivo de reduzir o tempo de rotação e acelerar a realização dos lucros.80 Como Marx explicou, no contexto da criação de ovinos,

é impossível, é claro, entregar um animal de cinco anos antes do final de cinco anos. Mas o que é possível, dentro de certos limites, é preparar os animais para o seu destino mais rapidamente através de novos modos de tratamento. Foi precisamente isso o que [Robert] Bakewell conseguiu fazer. Anteriormente, as ovelhas britânicas, tal como as ovelhas francesas até 1855, não estavam prontas para abate antes do quarto ou quinto ano. No sistema de Bakewell, as ovelhas de um ano já podem ser engordadas e, em qualquer caso, atingem o pleno crescimento antes de decorrido o segundo ano. Através da criação selectiva, Bakewell…reduziu a estrutura óssea das suas ovelhas ao mínimo necessário para a sua existência. Estas ovelhas são chamadas de New Leicesters.81

Aqui, Marx citou o agricultor francês Léonce de Lavergne, autor de The Rural Economy of England, Scotland, and Ireland (A Economia Rural da Inglaterra, Escócia e Irlanda), que defendia uma maior expansão da produção de carne e laticínios: “O criador pode agora enviar três para o mercado no mesmo espaço de tempo que antes lhe era necessário para preparar um; e, ainda que não sejam mais altos, são mais largos, redondos, e têm um maior desenvolvimento nas partes que dão mais carne. Eles não têm nenhuma quantidade de ossos a mais da necessária para se erguer, e quase todo o seu peso é carne pura.”82

Nas suas notas críticas sobre Lavergne, Marx opôs-se a estes novos métodos de produção animal para carne e lacticínios, visto que a procura de lucros infindáveis levava a uma vasta gama de sofrimento animal e abuso corpóreo — inerente num modo de especismo alienado em que os animais não eram vistos como seres vivos, mas como máquinas a serem manipuladas como tal. As ovelhas que eram criadas de modo a diminuir sua estrutura óssea — nas palavras de Marx, “abortando ossos a fim de os transformar em mera carne e numa grande quantidade de gordura” — tinham dificuldade de suportar o seu próprio peso e manter-se em pé devido aos seus corpos muito maiores e mais pesados e suas estruturas esqueléticas mais fracas. Para aumentar a produção de leite para o mercado, os vitelos eram desmamados mais cedo. Os bovinos eram cada vez mais confinados a estábulos e eram alimentados com bagaço de oleaginosas e outras misturas de alta energia destinadas a acelerar a taxa de crescimento.83

Marx observou que, sob práticas agrícolas anteriores, “os animais se mantinham ativos permanecendo sob o ar livre”. O confinamento nos estábulos com funcionários os alimentando significava que “nestas prisões os animais nascem e lá permanecem até serem mortos”. Isto resultou “numa grave deterioração da força vital” e em deformações de crescimento nos seus corpos, que eram considerados como meras partes, grãos para o moinho do capital. Para Marx, tudo isso era “Nojento!” e equivalia a um “sistema de celas de prisão para os animais”.84

Atualmente, esses métodos capitalistas para acelerar e comercializar a reprodução natural incluem também a utilização de hormônios de crescimento, operações massivas de alimentação concentrada de animais e o uso extensivo de antibióticos para tratar doenças que surgem das condições em que os animais são criados. Essas abordagens só se tornaram mais intensivas e generalizadas em toda a produção animal de carne e laticínios, como no caso das galinhas, suínos, bovinos, ovinos e peixes.85 Como salienta o sociólogo ambientalista Ryan Gunderson, a vasta expansão de animais confinados para produção industrializada está diretamente ligada à busca incessante da acumulação de capital.86

Através desta análise, Marx detalhou como o desenvolvimento capitalista criou uma mediação alienada entre o ser humano e a natureza, neste caso, espécies animais não humanas. Este especismo alienado reduz os animais a máquinas dentro de fazendas industriais, e animais em todo o mundo confrontam o extermínio devido à destruição de habitats, mudanças climáticas e acidificação dos oceanos — tudo associado ao funcionamento geral do capitalismo no período contemporâneo. Essa ruptura assume um caráter irônico, salienta Macdonald, pois “quanto mais os seus corpos desmembrados se intersectam com os nossos” através da circulação de mercadorias como carne, couro, cola, etc., “mais acabam por desaparecer da vida humana.”87 Essa constatação, associada ao especismo alienado sob o capitalismo, é semelhante à dinâmica que acompanha a alienação da natureza em geral. Como Raymond Williams indicou, quanto mais profunda a alienação da natureza, mais intensiva “a interação real” com o mundo biofísico no que diz respeito aos recursos utilizados na produção de mercadorias e a geração de resíduos que poluem os ecossistemas.88

Estas preocupações amplas em relação ao funcionamento do sistema capitalista, às condições ecológicas e ao especismo alienado estão interligadas na consideração de Marx do metabolismo da natureza e da sociedade. Nos anos 1850 e 60, Liebig, o mais proeminente químico alemão, explicou que as técnicas britânicas de alta agricultura violavam a “lei da reposição” devido ao envio das safras para locais distantes, resultando na não devolução ao solo dos nutrientes que haviam sido removidos. Esse sistema de roubo levou à espoliação das terras agrícolas. Marx retomou a análise de Liebig, incluindo a concepção de relações metabólicas. Ele desenvolveu uma abordagem metabólica socioecológica ainda mais rica, centrada na ruptura metabólica, através da qual um metabolismo social alienado, em contradição com o metabolismo universal da natureza, perturba ou rompe os ciclos, sistemas e fluxos naturais.89

Com a revogação das Leis dos Cereais, em 1846, que marcaram o início do comércio livre, Marx identificou várias tendências dentro daquilo a que chamou o “novo regime” da produção alimentar capitalista. Isso incluiu um maior aprofundamento da ruptura metabólica no ciclo de nutrientes do solo, aumentando a escala da expropriação mecanizada de animais, eles próprios tratados como meras máquinas (ou peças de máquinas).90 Houve um impulso para deslocar a Grã-Bretanha para uma maior produção de carne e laticínios como parte do sistema de rotação de Norfolk (e outras rotações semelhantes), que servia principalmente a população mais rica. Como resultado, mais terra foi convertida em pastagem e plantio de culturas forrageiras, tais como leguminosas, em vez de cereais e grãos, enquanto expandia-se o impacto do pastoreio dos animais. Com mais animais de criação na terra, menos trabalhadores eram necessários. Sob este novo regime alimentar, a produção de trigo na Grã-Bretanha despencou, levando à importação massiva de cereais para alimentar a população em geral.91 As terras irlandesas foram convertidas em pastagens para criar porcos, gado e ovelhas, deslocando grande parte da população rural.92 New Leicesters foram importadas para a Irlanda para se reproduzirem com ovelhas nativas e desenvolverem uma variedade que proporcionava maiores lucros para o capital, sem qualquer consideração pela saúde dos animais.93 Práticas agrícolas intensivas expropriaram os nutrientes do solo na Grã-Bretanha e no exterior, dando origem à crescente dependência da importação tanto de insumos agrícolas como de cereais. Aqui, a ruptura metabólica expandiu-se, roubando os nutrientes de terras distantes, seja sob a forma de cereais e grãos para consumo humano, guano para reparar as terras degradadas, ou semente de canola na produção de bagaço de oleaginosas para alimentar os animais de criação e enriquecer o seu estrume.94

Enquanto Lavergne celebrava a imposição de operações agrícolas industrializadas, intensificando a produção animal para carne e laticínios, Marx sugeria que um sistema de agricultura baseado em cereais era um sistema mais eficiente para fornecer alimentos a toda a população e assegurar a vitalidade da terra a longo prazo.95

A crítica de Marx do especismo alienado, associada à degradação de seres humanos e animais não humanos, pode ser considerada parte da sua crítica ecológica mais ampla, ligada à ruptura metabólica.96 A ruptura metabólica não se limita à natureza externa, mas abrange também a expropriação de seres corpóreos, onde animais não humanos são reduzidos a máquinas em um sistema baseado na expansão constante, ignorando e aumentando o seu sofrimento. De fato, quando a questão dos animais surgiu, a sua análise transcendeu a estrutura meramente ecológica, demonstrando uma afinidade com animais não humanos, que, para Marx, são seres limitados, objetivos e passíveis de sofrimento como os próprios seres humanos.97

Marx nunca perdeu a sua ligação íntima com o materialismo epicuriano. Os epicuristas ensinavam que o sofrimento animal e o sofrimento humano são semelhantes, pois ambos pertencem a seres naturais. Nos livros I e II de De rerum natura, o grande poeta romano Lucrécio apresentou cinco ataques a práticas sacrificiais, começando com sua descrição do sacrifício de Agamemnon da sua filha Ifigênia ao altar dos deuses, e terminando, como que para enfatizar a afinidade humana com os animais, com uma vaca de luto:

Por muitas vezes em frente de nobres santuários de deuses

Um bezerro cai morto ao lado dos altares incensados,

Uma corrente de sangue quente jorrando do seu peito.

A mãe a vaguear através dos vales folhosos

Enlutada procura no solo as pegadas tecidas.

Com olhos de busca ela procura, se em qualquer lugar

O seu filho perdido pode ser visto; ela põe-se de pé e enche-se de lamento

O bosque clareia; ela regressa à vacaria

Sempre na ânsia pelo seu bezerro.98

Ninguém poderia deixar de reconhecer em tal passagem que o sofrimento humano e o sofrimento animal, como o próprio Marx observou, são semelhantes. A luta revolucionária é necessária para transcender a alienação da natureza associada ao capitalismo. Marx claramente reconheceu que o desenraizamento do especismo alienado é parte dessa luta. Para que o “humanismo plenamente desenvolvido” se torne “naturalismo”, é necessário fomentar uma nova dialética homem-animal, baseada no princípio epicuriano de que “o mundo é meu amigo”. Ecoando Müntzer, Marx declarou: “todos os seres vivos devem também tornar-se livres”.99

Notas

  1. Ted Benton, “Humanism = Speciesism: Marx on Humans and Animals”, Radical Philosophy 50 (1988): 4, 6, 8, 11–12; Ted Benton, Natural Relations: Ecology, Animal Rights and Social Justice (Londres/Nova Iorque: Verso, 1993), 32–35.
  2. Renzo Llorente, “Reflections on the Prospects for a Non-Speciesist Marxism”, in Critical Theory and Animal Liberation, ed. John Sanbonmatsu (Lanham, Maryland: Rowman and Littlefield, 2011), 126–27. Llorente, embora argumentando que o próprio Marx era especista, nega que o especismo seja inerente ao marxismo.
  3. John Sanbonmatsu, The Postmodern Prince (Nova Iorque: Monthly Review Press, 2004), 215–18; Sanbonmatsu, introduction to Critical Theory and Animal Liberation, 17–19.
  4. Katherine Perlo, “Marxism and the Underdog”, Society and Animals 10, no. 3 (2002): 304; David Sztybel, “Marxism and Animal Rights”, Environmental Ethics 2, no. 2 (1997): 170–71.
  5. Richard D. Ryder, “Speciesism”, in Encyclopedia of Animal Rights and Animal Welfare, ed. Marc Bekoff (Westport, Connecticut: Greenwood Press, 1998), 320.
  6. Para uma crítica disso, ver Bradley J. Macdonald, “Marx and the Human/Animal Dialectic”, em Political Theory and the Animal/Human Relationship, eds. Judith Grant e Vincent G. Jungkuz (Nova Iorque: State University of New York Press, 2011), 36.
  7. Benton, Natural Relations, 42.
  8. Benton, “Humanism = Speciesism”, 1; Karl Marx, Early Writings (Londres: Penguin, 1970), 348.
  9. Marx, Early Writings, 239.
  10. Alguns críticos destacam, fora do contexto, as críticas de Marx e Engels à Sociedade para a Preservação dos Animais como prova da sua falta de simpatia pelos animais. Para uma poderosa réplica, ver Ryan Gunderson, “Marx’s Comments on Animal Welfare”, Rethinking Marxism 23, no. 4 (2011): 543–48.
  11. Macdonald, “Marx and the Human/Animal Dialectic”, 41–42. Macdonald distingue entre o que ele chama de “dualismo dialético” — refletindo processos de “objetivação” ou “externalização” — inerente à relação humana com a natureza, e o “especismo alienado” característico do capitalismo. O especismo alienado, nestes termos, é apenas o outro lado do ser genérico alienado. Sobre os conceitos de objetivação e externalização (e a distinção entre estes e a alienação de Marx), ver Georg Lukács, History and Class Consciousness (Londres: Merlin Press, 1971), xxxvi, e The Young Hegel (Cambridge, Massachusetts: MIT Press, 1975), 537–67.
  12. Ver Marx e Engels, Collected Works, vol. 1 (Nova Iorque: International Publishers, 1975), 25–107, 403–509; Epicuro, The Epicurus Reader (Indianapolis: Hackett Publishing, 1994); Lucrécio, On the Nature of the Universe (Oxford: Oxford University Press, 1997). Sobre Marx e Epicuro, Ver John Bellamy Foster, Marx’s Ecology (Nova Iorque: Monthly Review Press, 2000), 21–65.
  13. Sobre Lucrécio e a relação homem-animal, ver Alma Massaro, “The Living in Lucretius’ De rerum natura: Animals’ ataraxia and Humans’ Distress”, Relations 2, no. 2 (2014), http://ledonline.it/Relations. Sobre as visões protorevolucionárias de Epicuro, ver John Bellamy Foster, Brett Clark e Richard York, Critique of Intelligent Design (Nova Iorque: Monthly Review Press, 2008), 49–64.
  14. Para Lucrécio sobre a destruição ambiental, ver Lucrécio, On the Nature of the Universe, bk. VI, 179–217; Jack Lindsay, Blast Power and Ballistics: Concepts of Force and Energy in the Ancient World (Londres: Frederick Muller, 1974), 379–81; H. S. Commager, Jr., “Lucretius’s Interpretation of the Plague”, Harvard Studies in Classical Philology 62 (1957): 105–18.
  15. Karl Marx e Friedrich Engels, Collected Works, vol. 5 (Nova Iorque: International Publishers, 1975), 141.
  16. Marx e Engels, Collected Works, vol. 1, 453.
  17. Benton, Natural Relations, 35.
  18. Sztybel, “Marxism and Animal Rights”, 171.
  19. Marx e Engels, Collected Works, vol. 1, 75, 448, 452–53.
  20. Plutarco, Moralia, vol. 14, Loeb Classical Library (Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press, 1967), 129–47, (pp. 1104–1106).
  21. Marx e Engels, Collected Works, vol. 1, 74. Sobre o ataque epicuriano à religião e sua oposição a Platão, ver Benjamin Farrington, The Faith of Epicurus (Londres: Weidenfeld & Nicolson, 1967).
  22. Marx e Engels, Collected Works, vol. 1, 74–76.
  23. Marx, Early Writings, 389–90.
  24. Sztybel, “Marxism and Animal Rights”, 173–74.
  25. Epicuro, The Epicurus Reader, 32; Friedrich Engels para Friedrich Adolph Sorge, 15 de março de 1883, em Karl Marx Remembered, ed. Philip S. Foner (São Francisco: Synthesis Publications, 1983), 28. Ver também Foster, Marx’s Ecology, 77–78.
  26. Joseph Fracchia, “Organisms and Objectifications: A Historical-Materialist Inquiry into the ‘Human and Animal’”, Monthly Review 68, no. 10 (Março 2017): 1–3.
  27. Marx, Early Writings, 239; Thomas Müntzer, Collected Works (Edimburgo: T and T Clark, 1988), 335.
  28. Benton, “Humanism = Speciesism,” 8, 12; Natural Relations, 33, 37.
  29. René Descartes, Discourse on Method (Chicago: Open Court, 1899), 59–63.
  30. Alice Kuzniar, “A Higher Language: Novalis on Communion with Animals”, German Quarterly 76, no. 4 (2003):426–42; Robert Ausch, An Advanced Guide to Psychological Thinking (Lanham, Maryland: Lexington Books, 2015), 90.
  31. Julian Jaynes e William Woodward, “In the Shadow of Enlightenment, II: Reimarus and his Theory of Drives”, Journal of the History of Behavioral Sciences 10, no. 2 (1974): 144–59; John H. Zammito, The Gestation of German Biology (Chicago: University of Chicago Press, 2018), 134–49, “Herder Between Reimarus and Tetens: The Problem of an Animal-Human Boundary”, em Herder: Philosophy and Anthropology, eds. Anik Waldow e Nigel DeSouza (Oxford: Oxford University Press, 2017), 127–46; Günter Zöller, Fichte’s Transcendental Philosophy (Cambridge: Cambridge University Press, 1998), 63; James Muldoon, Hegel’s Philosophy of Drives (Aurora, California: Noesis Press, 2014); G. W. F. Hegel, The Philosophy of Nature (Oxford: Oxford University Press, 2004), 406–9.
  32. Dorothea E. von Mücke, The Practices of the Enlightenment (Nova Iorque: Columbia University Press, 2015), 33–38; Zammito, The Gestation of German Biology, 138–39; Kurt Danziger, “The Unknown Wundt: Drive, Apperception, and Volition”, em Wilhelm Wundt em History, eds. Robert W. Rieber e David K. Robinson (Nova Iorque: Kluwer Academic/Plenum Publishers, 2001), 101–2; Muldoon, Hegel’s Philosophy of Drives, 107–11.
  33. Reimarus citado em Zammito, The Gestation of German Biology, 139.
  34. Zammito, The Gestation of German Biology, 139–40.
  35. Marx e Engels, Collected Works, vol. 1, 19.
  36. Zammito, The Gestation of German Biology, 141–42; Mücke, The Practices of the Enlightenment, 35.
  37. Immanuel Kant, On History (Nova Iorque: Bobbs-Merrill), 55–56; Mücke, The Practices of the Enlightenment, 36–38.
  38. Johann Gottfried von Herder, Philosophical Writings (Cambridge: Cambridge University Press, 2002), 56, 78–80; Zammito, “Herder Between Reimarus and Tetens”.
  39. Ausch, An Advanced Guide to Psychological Thinking, 91.
  40. Karl Marx, Capital, vol. 1 (Londres: Penguin, 1976), 284. Além de Reimarus, Marx pode ter sido influenciado na redação desta passagem pela seção de Darwin em “Instinto de Criação de Células da Abelha de Colméia” em A Origem das Espécies, um trabalho que ele havia estudado em detalhe. Ver Charles Darwin, On the Origin of Species (Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press, 1964; fax da primeira edição), 224–35.
  41. Marx, Early Writings, 389–90; Christopher Dowrick, “The Roots of Consciousness”, History of Political Thought 5, no. 3 (Inverno de 1984): 472, 476.
  42. Ver Arend Th. Van Leeuwen, Critique of Earth (Nova Iorque: Charles Scribner’s Sons, 1974), 53–54; Giorgio Agamben, The Man without Content (Stanford: Stanford University Press, 1999), 84. Erich Fromm argumentou que toda a análise crítica de Marx repousava em uma perspectiva na qual “o reino das pulsões humanas é uma força natural que, como outras forças naturais (fertilidade do solo, irrigação natural, etc.), é uma parte imediata da subestrutura do processo social. O conhecimento desta força, portanto, é necessário para uma compreensão completa do processo social”. Erich Fromm, The Crisis of Psychoanalysis (Greenwich, Connecticut: Fawcett, 1970), 65–66, 157.
  43. Gattungswesen é traduzido de várias maneiras como “essência genérica”, “ser de espécie” e “ser genérico”. No desenvolvimento de seu conceito de ser de espécie (ou genérico) (Gattungswesen), Marx estava se baseando não apenas em Feuerbach, mas na noção anterior de Hegel sobre a “essência genérica” (Gattungswesen) da humanidade, associada à consciência universal promovida pelo Estado. Na análise própria de Marx, essa “essência genérica universal” constituía a consciência de ordem superior ou autoconsciência que distingue o ser humano. Como atores conscientes de si mesmos, os seres humanos transformaram a natureza e o mundo através de seu trabalho e, portanto, suas próprias relações sociais e a si mesmos. Ver G. W. F. Hegel, The Philosophy of Right (Oxford: Oxford University Press, 1952), 200–201, 372; Karl Marx, Early Writings, 192, 328–29; Charles Taylor, Hegel (Cambridge: Cambridge University Press, 1975), 549, Hegel and Modern Society (Cambridge: Cambridge University Press, 1979), 143; George Márkus, Marxism and Anthropology (Assen, Países Baixos: Van Gorcum, 1978), 3–15; Paul Heyer, Nature, Human Nature, and Society (Westport, Connecticut: Greenwood Press, 1982), 13, 73–96; István Mészáros, Marx’s Theory of Alienation (Londres: Pluto Press, 1972), 14.
  44. Ludwig Feuerbach, The Fiery Brook (Nova Iorque: Anchor Books, 1972), 97–99; Zöller, Fichte’s Transcendental Philosophy, 63; Marx W. Wartofsky, Feuerbach (Cambridge: Cambridge University Press, 1977), 5–6, 206–8.
  45. Márkus, Marxism and Anthropology, 4–5.
  46. Shlomo Avineri, The Social and Political Thought of Karl Marx (Cambridge: Cambridge University Press, 1971), 65–95.
  47. Marx, Early Writings, 327; Benton, “Humanism = Speciesism,” 5–9; Llorente, “Reflections on the Prospects for a Non-Speciesist Marxism,” 126–27; Sanbonmatsu, introduction to Critical Theory and Animal Liberation, 17–19.
  48. Mészáros, Marx’s Theory of Alienation, 173–80; Fromm, The Critique of Psychoanalysis, 68.
  49. Macdonald, “Marx and the Human/Animal Dialectic,” 41.
  50. Marx e Engels, Collected Works, vol. 5, 58–59. A linha de argumentação crítica baseada na essência do peixe foi introduzida pela primeira vez por Engels em suas notas sobre “Feuerbach” em preparação para a escrita de A Ideologia Alemã. Marx e Engels, Collected Works, vol. 5, 13.
  51. Marx e Engels, Collected Works, vol. 4, 125–26. Marx preferia a física de Bacon à de Descartes, vendo a matéria em movimento na concepção da física de Bacon como assumindo a forma de uma pulsão (Trieb) em vez de um mero mecanismo como na física de Descartes. Ver van Leeuwen, Critique of Earth, 15–20; Marx e Engels, Collected Works, vol. 4, 127–30.
  52. Marx, Capital, vol. 1, 512. Descartes se referia explicitamente aos autômatos, ou peças móveis, pois estes eram empregados na indústria humana no período de “fabricação” (artesanato), o que ele então aplicou à descrição dos animais. Ver Descartes, Discourse on Method, 59–60. Na avaliação capitalista, como Marx observa, os animais são tratados como máquinas — fato que ele viu como reflexo da contradição entre a natureza e o valor da mercadoria. Ver James D. White, “Nicholas Sieber and Karl Marx,” Research in Political Economy 19 (2000): 6.
  53. Benton, “Humanism = Speciesism,“ 16.
  54. Marx, Early Writings, 239.
  55. Marx, Early Writings, 327.
  56. Charles Lyell, Principles of Geology (Londres: Penguin, 1997), 276–77.
  57. Marx e Engels, Collected Works, vol. 25, 459.
  58. Ver Foster, Marx’s Ecology, 120, 180–82, e Foster, Clark, e York, Critique of Intelligent Design.
  59. Marx, Early Writings, 356.
  60. Karl Marx, Grundrisse (Londres: Penguin, 1973), 105.
  61. Gunnar Broberg, “Homo sapiens: Linnaeus’s Classification of Man”, em Linnaeus: The Man and His Work, eds. Sten Lindroth, Gunnar Eriksson e Gunnar Broberg (Berkeley: University of California Press, 1983), 156–79.
  62. Marx e Engels, Collected Works, vol. 42, 322.
  63. Karl Marx e Friedrich Engels, Marx-Engels-Gesamtausgabe IV, 26 (Berlim: Akademie Verlag, 2011), 214–19; Joseph Beete Jukes, The Student’s Manual of Geology (Edimburgo: Adam e Charles Black, 1872).
  64. Karl Marx e Friedrich Engels, Selected Correspondence (Moscou: Progress Publishers, 1975), 102; Foster, Marx’s Ecology, 166.
  65. Marx e Engels, Collected Works, 41, 232.
  66. Fracchia, “Organisms and Objectifications,” 3.
  67. Marx e Engels, Collected Works, vol. 25, 452–59; Stephen Jay Gould, An Urchin in the Storm (Nova Iorque: W. W. Norton, 1987), 111.
  68. Para discussões contemporâneas sobre a complexa dinâmica evolutiva entre gene, organismo e ambiente, ver Richard Lewontin, The Triple Helix (Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press, 2000); Richard Levins e Richard Lewontin, The Dialectical Biologist (Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press, 1985); e Richard Lewontin e Richard Levins, Biology Under the Influence (Nova Iorque: Monthly Review Press, 2007).
  69. Marx e Engels, Collected Works, vol. 25, 460.
  70. Marx e Engels, Collected Works, vol. 25, 503.
  71. Karl Marx, Texts on Method (Oxford: Blackwell, 1975), 190–91; Marian Comyn, “My Recollections of Karl Marx,” The Nineteenth Century and After, vol. 91, disponível em http://marxists.org.
  72. Charles Darwin, The Descent of Man (1871; repr. Princeton: Princeton University Press, 1981), 105, 136–37. A referência de Darwin aos “hábitos sociais” aqui se referia especificamente à herança de características adquiridas — uma idéia geralmente associada a Jean-Baptiste Lamarck, mas que Darwin já havia introduzido como princípio complementar à seleção natural — como na forma de certos comportamentos sociais habituais. Darwin sugeriu, como um possível exemplo disso, que os filhos de trabalhadores herdariam mãos maiores do que os filhos da aristocracia devido à transmissão de características adquiridas resultantes de “hábitos sociais” de uso e desuso. Ver Darwin, The Descent of Man, 117–18, 157, 160–61; Helen P. Liepman, “The Six Editions of the ‘Origin of Species’”, Acta Biotheoretica 30 (1981): 199–214. Engels foi influenciado pela visão de Darwin a este respeito e, de maneira semelhante, se referiu à herança das características adquiridas em relação às mãos. Ver Marx e Engels, Collected Works, vol. 25, 453–54. No entanto, pode-se também ler a referência de Darwin ao patrimônio social — embora esse claramente não fosse seu principal significado — como representando a noção mais geral de seres humanos como animais sociais, enfatizada por Marx e Engels, resultando no desenvolvimento social cumulativo e no aumento da inteligência prática, transmitida através da educação, e refletida na capacidade cultural de manipular o mundo através de instrumentos exossomáticos. Desde o início, os Homo sapiens, como Engels acima de tudo entendeu no século XIX, eram produtos de um processo complexo do que hoje é chamado de coevolução gene-cultura, o que explica a origem da organização corpórea humana, particularmente o desenvolvimento do cérebro humano. Ver Gould, An Urchin in the Storm, 111. Toda a questão da herança das características adquiridas, deve-se acrescentar, está atraindo um interesse renovado na biologia devido ao desenvolvimento da epigenética. Ver Peter Ward, Lamarck’s Revenge (Nova Iorque: Bloomsbury Publishing, 2018); Eva Jablonka e Mario J. Lamb, Epigenetic Inheritance and Evolution (Oxford: Oxford University Press, 1995).
  73. John Berger, About Looking (Londres: Vintage International, 1991), 4.
  74. Berger, About Looking, 3–4.
  75. Marx, Capital, vol. 1, 285–86.
  76. Marx, Capital, vol. 1, 287–88.
  77. Marx, Capital, vol. 2 (Londres: Penguin, 1978), 241.
  78. Marx, Capital, vol. 2, 250; Paul Burkett, Marx and Nature (Chicago: Haymarket Books, 2014), 43–47; Daniel Auerbach e Brett Clark, “Metabolic Rifts, Temporal Imperatives, and Geographical Shifts: Logging in the Adirondack Forest in the 1800s,” International Critical Thought 8, no. 3 (2018): 468–86.
  79. Marx, Capital, vol. 1, 517.
  80. Burkett, Marx and Nature, 41–47.
  81. Marx, Capital, vol. 2, 314–315.
  82. Marx, Capital, vol. 2, 315; Léonce de Lavergne, The Rural Economy of England, Scotland, and Ireland (Londres: Blackwell, 1855), 13–25, 34–51, 184–87, 196.
  83. Karl Marx, Marx-Engels Archives, International Institute of Social History, Sign. B., 106, 336, citado em Kohei Saito, “Why Ecosocialism Needs Marx”, Monthly Review 68, no. 6 (Novembro 2016): 62; John Bellamy Foster, “Marx as a Food Theorist”, Monthly Review 68, no. 7 (Dezembro 2016): 14–16.
  84. Marx, Marx-Engels Archives, International Institute of Social History, Sign. B., 106, 336, citado em Saito, “Why Ecosocialism Needs Marx”, 511 (tradução ligeiramente alterada); Foster, “Marx as a Food Theorist”, 15–16.
  85. Para discussões úteis sobre estas questões, ver William D. Heffernan, “Concentration of Ownership and Control in Agriculture”, em Hungry for Profit, eds. Fred Magdoff, John Bellamy Foster e Frederick H. Buttel (Nova Iorque: Monthly Review Press, 2000), 61–75; Tony Weis, The Global Food Economy (Nova Iorque: Zed Books, 2007); Tony Weis, The Ecological Hoofprint (Nova Iorque: Zed Books, 2013); Stefano B. Long, Rebecca Clausen e Brett Clark, The Tragedy of the Commodity (Nova Brunswick: Rutgers University Press, 2015); Stefano B. Longo, Rebecca Clausen, e Brett Clark, “Capitalism and the Commodification of Salmon: From Wild Fish to a Genetically Modified Species”, Monthly Review 66, no. 7 (2014): 35–55.
  86. Ryan Gunderson, “From Cattle to Capital: Exchange Value, Animal Commodification and Barbarism”, Critical Sociology 39, no. 2 (2011): 259–275; ver também David Naguib Pellow, Total Liberation (Mineápolis: University of Minnesota Press, 2014).
  87. Macdonald, “Marx and the Human/Animal Dialectic”, 41.
  88. Raymond Williams, Problems in Materialism and Culture (Londres: Verso, 1980), 83.
  89. John Bellamy Foster, “Marx and the Rift in the Universal Metabolism of Nature”, Monthly Review 65, no. 7 (2013): 1–19; John Bellamy Foster e Brett Clark, “The Robbery of Nature”, Monthly Review 70, no. 3 (2018): 1–20.
  90. Foster, “Marx as a Food Theorist,” 12–13; John Bellamy Foster e Paul Burkett, Marx and the Earth (Leiden: Brill, 2016), 29–31.
  91. Mette Erjnaes, Karl Gunnar Persson e Søren Rich, “Feeding the British”, Economic History Review 61, no. 1 (2008): 147.
  92. Karl Marx e Friedrich Engels, Ireland and the Irish Question (Moscou: Progress Publishers, 1971), 121–22.
  93. Kohei Saito, Karl Marx’s Ecosocialism (Nova Iorque: Monthly Review Press, 2017), 209.
  94. Foster, “Marx as a Food Theorist”.
  95. Foster, “Marx as a Food Theorist”; Marx, Capital, vol. 1, 637–38; Marx, Capital, vol. 2, 313–15; Karl Marx, Capital, vol. 3 (Londres: Penguin, 1981), 916, 949–50.
  96. Macdonald, “Marx and the Human/Animal Dialectic”, 42; John Bellamy Foster, Brett Clark, e Richard York, The Ecological Rift (Nova Iorque: Monthly Review Press, 2010).
  97. Marx, Early Writings, 389–90.
  98. Lucrécio, On the Nature of the Universe (Oxford: Oxford University Press, 1997), 46 (II, 350–65). Compare a descrição de Lucrécio o sacrifício de Ifigênia por Agamenon no altar dos deuses — Lucrécio, On the Nature of the Universe, 5–6 (80–101). Ver Massaro, “The Living in Lucretius’ De rerum natura”, 45–58.
  99. Marx e Engels, Collected Works, vol. 5, 141; Early Writings, 239, 348.

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