Marx e a Escravidão: Parte 2

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18 min readSep 29, 2021

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Por Jonh Bellamy Foster, Hannah Holleman, e Brett Clark. Texto publicado em 01 de julho de 2020 em Monthly Review.

Traduzido por Lucas Chagas. Revisado por Débora Cunha e Rebecca Borges.

A economia política do capitalismo escravagista

Foi somente no final da década de 1850 no Grundrisse e na década de 1860 em seu Manuscrito Econômico de 1861–1863 e em O capital que Marx, como resultado de seus estudos de economia política, foi capaz de desenvolver uma crítica completa da exploração do trabalho escravo sob capitalismo moderno. Foi nesse período que ele solidificou sua visão do capitalismo escravagista como uma forma particular de capitalismo, resultante de um “segundo tipo” de colonialismo. Para Marx, e para economistas políticos clássicos em geral, o colonialismo propriamente dito, na medida em que se referia ao trabalho, era geralmente associado à ocupação violenta de terras por trabalhadores livres e proprietários camponeses engajados principalmente na produção local de subsistência.43 Mas um segundo colonialismo, que não deve ser confundido com o colonialismo propriamente dito, também emergiu, igualmente banhado em sangue, na forma da economia escravagista. Como ele colocou em Teorias da Mais-valia [Theories of Surplus Value]:

No segundo tipo de colônias — plantations — onde as especulações comerciais aparecem desde o início e a produção é destinada ao mercado mundial, o modo de produção capitalista existe, embora apenas em um sentido formal, visto que a escravidão dos Negros impede o trabalho assalariado livre, que é a base da produção capitalista [como um todo]. Mas o negócio no qual os escravos são usados é conduzido por capitalistas. O método de produção que eles introduzem não surgiu da escravidão, mas foi enxertado nela. Nesse caso, a mesma pessoa é capitalista e proprietária de terras.44

Marx especificou que a A escravidão das plantations do Novo Mundo era capitalista na forma e executada por capitalistas ligados à economia mundial, mas não era a forma primária de capitalismo, que se baseava necessariamente na expropriação do trabalho assalariado, sobre a qual toda a estrutura de valor do capitalismo foi erguido. “A escravidão”, escreveu ele em Grundrisse, “é possível em pontos individuais dentro do sistema burguês de produção… apenas porque não existe em outros pontos; e aparece como uma anomalia oposta ao próprio sistema burguês… O fato de que agora não apenas chamamos os proprietários das plantations na América de capitalistas, mas eles são capitalistas, baseia-se em sua existência como anomalias dentro de um mercado mundial baseado no trabalho livre.”45

A posição de Marx a esse respeito era semelhante à fornecida por Orlando Patterson, que explicou: “O capitalismo, que é exclusivamente um produto do mundo moderno, tem duas variantes principais: a ‘variante livre’ caracterizada pela venda da mão-de-obra do trabalhador no mercado de trabalho; e a variante escrava encontrada nas Américas até as últimas décadas do século XIX, nas… Índias Orientais Holandesas entre o final do século XVII e meados do século XIX e nas colônias de escravos do Oceano Índico nos séculos XVIII e XIX”. O capitalismo baseado no trabalho assalariado, afirmou Patterson, era “reconhecidamente a mais avançada” dessas duas formas.46 Na verdade, na visão de Marx, a variante escravagista do capitalismo existia apenas na medida em que era parte integrante de um sistema capitalista mundial mais amplo, enraizado no trabalho assalariado. No entanto, como Patterson indicou, de acordo com Marx, “o capitalista é frequentemente (embora nem sempre) capaz de extrair um nível mais alto de mais-valia do escravo, forçando-o a produzir mais do que se fosse livre e reduzindo seu custo de reprodução’’.47

Para compreender a natureza da crítica de Marx aqui é necessário reconhecer que a lei do valor do capitalismo subjacente à economia política clássica era dependente de uma concepção de troca entre iguais e trabalho formalmente livre, e não poderia ter a escravidão como base. A análise brilhante de Aristóteles do valor proporcional subjacente à mercadoria em sua obra Ética a Nicômaco [Nicomachean Ethics] ficou aquém, argumentou Marx, porque, vivendo em uma sociedade “fundada sobre o trabalho de escravos”, ele era incapaz de compreender a base do valor de mercadoria no trabalho, que dependia de uma concepção de “trabalho humano igual e, portanto… trabalho de qualidade igual”.48 É somente com o capitalismo que o conceito de trabalho abstrato baseado em uma noção de igualdade de trabalho vem à tona. Este não é um assunto menor, porque toda a economia política burguesa, juntamente com toda a lógica da valorização capitalista, exigia o trabalho assalariado como sua base.49

Por essa razão, embora o capitalismo escravagista existisse claramente e tivesse uma importância histórica definida, na visão de Marx, ele não poderia constituir as leis do movimento do capital como um todo, mas apenas poderia se desenvolver e prosperar plenamente em termos capitalistas em um contexto em que o trabalho assalariado era a forma predominante. A expropriação de seres humanos associada à escravidão estava, portanto, ligada ao trabalho assalariado capitalista na forma de uma “luta de irmãos inimigos”.50 No caso do capitalismo escravagista, não havia pretensão de troca entre iguais. Em vez disso, baseava-se no poder absoluto ou, como Sven Beckert o chama, “capitalismo de guerra”.51

Na época de Marx, o capitalismo escravocrata representava um conflito no coração bárbaro do próprio sistema capitalista. Em janeiro de 1860, Marx escreveu a Friedrich Engels: “Na minha opinião, a coisa mais importante que está acontecendo no mundo hoje é o movimento de escravos — por um lado, na América, iniciado pela morte de [John] Brown, e na Rússia , por outro [com relação aos servos]… Acabei de ver no [New York] Tribune que houve outra revolta de escravos no Missouri, nem é preciso dizer que foi reprimida. Mas agora o sinal foi dado.”52 Marx, portanto, se engajou em um estudo intensivo da economia política da questão dos escravos no contexto de escrever artigos para o New York Tribune e mais tarde para o Die Presse, bem como em seus cadernos econômicos, que seriam a base de O Capital. Aqui, Marx se baseou em um grande número de obras, mas o tratado mais importante dos que ele utilizou para sua análise do sistema de acumulação no Sul escravagista dos Estados Unidos foi O Poder do Escravo (The Slave Power), de J.E. Cairnes, apresentado como uma série de palestras em 1861 e publicado como um livro em 1862.

A chave para toda a compreensão de Marx da acumulação baseada na escravização no sul dos Estados Unidos foi sua noção de que, sob o capitalismo escravagista em sua forma mais desenvolvida nas “plantations americanas”, toda a “mais-valia” produzida pelos escravos “é concebida como lucro… [Como] o preço que é pago pelo escravo não é mais do que a mais-valia ou o lucro antecipado e capitalizado que deve ser extraído dele” ao longo de sua vida como trabalhador.53 Diferente do“ trabalhador assalariado ”que não tem “nenhum valor” (em oposição ao valor da força de trabalho do trabalhador), o “escravo… tem valor de troca, um valor” e representa um fluxo futuro de valor, “um pedaço de capital.”54 A economia disso significava que o trabalho da força de trabalho escrava era regulamentado, como nas máquinas, em termos de consumo de capital, seu “desgaste”, sua disponibilidade e o custo de substituições. No entanto, o escravo, cujo preço inicial era baseado em uma vida de trabalho de vinte anos, era muitas vezes “sobrecarregado”, isto é, consumido como instrumento de trabalho em sete anos, ao invés de vinte, a fim de maximizar a mais-valia do trabalho escravo no menor tempo. Também era comum nesse sistema, enfatizou Marx, que proprietários de escravos pedissem dinheiro emprestado por seus escravos como bens de capital, portanto, títulos para obter e alugá-los a outros capitalistas.55 “O que Marx… entendeu”, como Ransom e Sutch apontaram,

era que a posse de escravos existia para dar lucro ao proprietário. Todo o produto do trabalho do escravo e sua família, acima de qualquer provisão para alimentos e outras necessidades que o proprietário se preocupasse em fazer, era expropriado. Essa sobra era o lucro do proprietário, e a expectativa de um fluxo contínuo de tais retornos fazia da propriedade escrava um bem lucrativo. O preço pago por um escravo refletia o consenso do comprador e do vendedor sobre o valor potencial do fluxo contínuo de lucros que poderia ser extraído do escravo e, no caso de uma mulher, de seus descendentes também.56

A análise de Marx, portanto, o levou a diferir de outros economistas políticos e críticos da escravidão em sua época, como Adam Smith, que argumentou que o trabalho escravo era antieconômico e incapaz de competir com o trabalho assalariado.57 Em contraste, Marx apontou para o vasto trabalho excedente expropriado de escravos, e o fato de que os próprios escravos eram uma forma de bem capital, formando a base do capital fictício ou especulativo.58 Portanto, parecia haver pouca dúvida, em sua estimativa, de que a economia de plantation do Sul pré-guerra era, tanto quanto as preocupações econômicas eram consideradas, enormemente lucrativa, incluindo o mercado para a reprodução de escravos. Como Engels indicou em Anti-Dühring, a razão pela qual somente a força poderia remover a escravidão dos estados de reproduçãoo e consumo de escravos do Sul era que a produção com base nisso era paga e, portanto, não morreria por conta própria por motivos econômicos.59

Para ser lucrativa em uma base capitalista, a produção escrava exigia uma forma de produção adequada ao trabalho escravo.60 Marx explicou que o elemento essencial do trabalho escravo era que se baseava na força e exigia uma compulsão externa contínua, exigindo o chicote do supervisor. A escravidão foi caracterizada antes de tudo para Marx pelo que ele chamou de “uma relação de dominação”. Como Patterson comentou a esse respeito, “Marx não apenas mostra claramente que entende que a escravidão, em um nível institucional, é antes de tudo uma ‘relação de dominação’, mas identifica o elemento de força direta que a distingue”.61 Por se tratar de trabalho diretamente forçado, indicou Marx, os escravos estavam engajados em uma resistência constante, se não ativa. Suas condições de trabalho careciam de consentimento; mais ainda sob a produção capitalista, onde foram forçados a trabalhar intensamente e por horas desmedidas, ameaçando sua própria existência corpórea. “O trabalho forçado”, escreveu Marx, “nunca pode criar uma laboriosidade geral.”62 A resistência dos escravos evidente em todas as suas ações, às vezes estendendo-se às revoltas de escravos, e o medo que isso gerava em seus senhores, foram as principais razões para ser proibido educar escravos, especialmente no Sul, o que significava que eles permaneceram quase que inteiramente sendo mão de obra não qualificada.

Essas condições combinadas limitaram as formas em que os escravos poderiam ser empregados com lucro, em comparação com o trabalho assalariado. O trabalho assalariado, argumentou Marx, se distinguia do trabalho escravo pela sua flexibilidade e versatilidade. O trabalho escravo, ao contrário, porque a força contínua era necessária, só podia ser efetivamente empregado em certas formas de produção.63 O limite-chave aqui, como Marx argumentou, seguindo Cairnes, tinha a ver com os custos da superintendência. “Quanto maior esse antagonismo [de classe]” e quanto maior o grau em que o trabalho precise ser forçado, escreveu Marx, “maior é o papel que este trabalho de supervisão desempenha. Ele atinge seu ápice no sistema escravista sob o capitalismo. Na verdade, “o feitor com seu chicote era necessário para a produção… com base na escravidão”.64 O trabalho escravo não era econômico se dispersado de alguma forma, devido ao nível de resistência escrava, uma vez que seria removido da coerção direta e do chicote do feitor. Não obstante, o trabalho escravo era especialmente adequado para a produção centralizada em grande escala em grupos nas plantations de monocultura, onde os custos do trabalho da superintendência podiam ser mantidos baixos e onde apenas o trabalho forçado poderia ser empregado nessa escala e com tal intensidade física.

Marx, portanto, considerou a supervisão do trabalho nas plantation sob o capitalismo escravagista como a representação de uma forma mais desenvolvida de gestão capitalista, antecipando práticas que surgiriam dentro da indústria de grande escala. Consequentemente, ele marcou as passagens em sua cópia de O Poder do Escravo (Slave Power) de Cairnes que abordavam esse assunto e frequentemente se referia a elas. Como escreveu Cairnes, “as vantagens econômicas da escravidão estão facilmente colocadas: estão todas compreendidas no fato de que o empregador de escravos tem poder absoluto sobre seus trabalhadores e desfruta da disposição de todos os frutos de seu trabalho. O trabalho escravo, portanto, admite a mais completa organização, ou seja, pode ser combinado em larga escala e dirigido por uma mente controladora para um único fim, e seu custo nunca ultrapassa o necessário para manter o escravo com saúde e força.” Na agricultura, o sistema escravagista organizado com base na agricultura de plantation capitalista era economicamente superior à propriedade camponesa voltada principalmente para a produção de subsistência: “A propriedade camponesa… não admite combinação e classificação do trabalho no mesmo grau da escravidão”, embora superior em relação à indústria individual.65 De muitas maneiras, como Cairnes e Marx reconheceram, a escravidão nas plantations era, portanto, altamente competitiva com outras formas de produção sob o capitalismo, na medida em que assumia a forma de produção combinada em grande escala nas plantations, incluindo a extrema intensidade que poderia ser imposta ao trabalho escravo nessas circunstâncias.

Se para Marx havia pouca dúvida de que a acumulação baseada em escravos no capitalismo de plantation era economicamente eficaz, ela permanecia claramente uma forma de indústria de trabalho intensivo, e era menos propícia à industrialização, porque o capital era investido em escravos e não em capital físico, enquanto a produção escrava não era propícia para o trabalho fabril. Ela também teve o efeito, como em todas as sociedades escravagistas, de difamar o trabalho manual. A economia escravagista nos Estados Unidos por volta de 1860 consistia, como Cairnes e Marx indicaram, em trezentos mil proprietários de escravos, quatro milhões de escravos e outros cinco milhões de trabalhadores brancos livres, a maioria engajados na produção de subsistência. O crescimento industrial no Sul foi muito menor do que no Norte, como pode ser visto na ascensão do capital ferroviário principalmente neste último.66

Mais importante para minar a escravidão do Sul, entretanto, foi a rápida degradação ecológica que sua agricultura baseada na plantation de monocultura representou. Na obra de pensadores como Merivale, Cairnes, Olmsted, Carey, Johnston e o próprio Marx, uma crítica importante da economia política da escravidão no Sul era ecológica: o sistema escravagista de plantation rapidamente exauriu o solo, como consequência da ruptura metabólica no ciclo de nutrientes do solo, exigindo novas terras para manter a produção e os lucros.67 Isso levou a um movimento violento rumo ao oeste e (e ao sul) impulsionado principalmente pela necessidade do poder escravista de expandir o capitalismo escravocrata, abrangendo a Trilha das Lágrimas, três Guerras Seminoles, a tomada do Texas e a Guerra Mexicano-americana.68

O principal pensador a apresentar essa análise ecológica foi o químico agrícola Johnston, membro da Royal Society. Johnston, em suas Notas sobre a América do Norte [Notes on North America], que Marx estudou profundamente, enfatizou que o estado da Virgínia havia exaurido seu solo com a agricultura de plantation escravista e se tornado dependente da criação de escravos para os estados consumidores de escravos do sul. A tendência geral no Sul (diferentemente do Norte) era [as plantations irem] de solos mais férteis que haviam sido exauridos para solos mais pobres para o oeste, criando uma necessidade quase desesperada de novos solos e uma tentativa de obter novas terras para a escravidão no extremo oeste da Califórnia.69 Cairnes apontou para o caráter destrutivo da monocultura praticada nas plantations escravagistas, onde não havia, portanto, “rotação de culturas”:

O solo era empregado repetidamente para gerar o mesmo produto, e o resultado inevitável era o seguinte: depois de uma curta série de anos, sua fertilidade é completamente exaurida, o fazendeiro abandona o terreno que tornou inútil e passa a buscar em novos solos aquela fertilidade sob a qual os agentes à sua disposição podem ser lucrativamente empregados… Mesmo no Texas, antes ainda dos dez anos sob o domínio deste sistema [escravagista] devastador, o Sr. Olmsted nos diz que o espetáculo, tão familiar e tão melancólico em todos os estados escravagistas mais antigos, já era visto com frequência por um viajante — ”uma plantation abandonada de campos ‘desgastados’, com sua pequena vila de moradias, agora um lar apenas para lobos e abutres.”
O cultivo pelo trabalho escravo, portanto, ao impedir as condições de rotação de culturas ou um manejo mais habilidoso [do solo], inevitavelmente tende a exaurir a terra de um país e, consequentemente, requer para seu sucesso permanente, não apenas um solo fértil, mas sua extensão praticamente ilimitada.70

Para o próprio Marx, que vinha desenvolvendo sua teoria da ruptura metabólica nessa época junto à sua crítica da escravidão, não havia absolutamente nenhuma dúvida sobre a falha material que gerou a crise da escravidão nos Estados Unidos, levando à Guerra Civil. Como ele escreveu em “The North American Civil War” [A Guerra Civil Norte Americana] em outubro de 1861:

“O cultivo dos artigos de exportação pelo Sul, como algodão, tabaco, açúcar, etc., realizado por escravos, só é lucrativo enquanto for conduzido com grandes grupos de escravos, em escala massiva e em grandes extensões de solo naturalmente fértil, que requerem apenas trabalho simples. O cultivo intensivo, que depende menos da fertilidade do solo do que do investimento de capital, inteligência e energia do trabalho, é contrário à natureza da escravidão. Daí a rápida transformação de estados como Maryland e Virgínia, que anteriormente empregavam escravos na produção de artigos de exportação, em estados que criam escravos para exportar esses mesmos escravos para o sul profundo. Até mesmo na Carolina do Sul, onde os escravos constituem quatro sétimos da população, o cultivo do algodão tem estado quase totalmente estacionário durante anos devido ao esgotamento do solo. De fato, pela força das circunstâncias, a Carolina do Sul já foi parcialmente transformada em um estado de criação de escravos, uma vez que já vende em escravos um montante de quatro milhões de dólares anuais para os estados do extremo Sul e Sudoeste. Tão logo este ponto seja alcançado, a aquisição de novos territórios torna-se necessária, para que uma parte dos senhores de escravos ocupe novas terras férteis e um novo mercado de criação de escravos, e consequentemente de venda desses escravos, possa ser criado para a outra parte dos senhores.”71

A realidade era que “um confinamento estrito da escravidão a seu antigo terreno… estava fadado, confome às leis econômicas, a levar à sua extinção gradual”, seja por exaustão de terras, diminuição do poder no governo dos EUA, instabilidade entre a própria população “pobre e branca” e não menos por todas as revoltas dos escravos.72 Como Johnson escreveu com perspicácia em Rivers of Dark Dreams [Rios de sonhos escuros], “A hegemonia desta única planta sobre a paisagem do Reino do Algodão produziu uma simplificação radical da natureza e uma simplificação radical do ser humano… A monocultura do algodão despojou a terra de vegetação [e] drenou sua fertilidade.”73 Conforme Marx sugeriu, a crise ecológica da produção escrava de algodão em plantations explicava a agressão desesperada performada pelo Sul na guerra de fronteira Kansas-Missouri (também conhecido como conflito Bloody Kansas) e as tentativas de enviar bandos de texanos ao Novo México para conquistar aquele território para o Sul.74 Para Eugene Genovese, na obra The Political Economy of Slavery [A economia política da escravidão], a ruína do sistema escravagista não foi tanto o seu fracasso econômico, mas sim o “esgotamento do solo”, levando ao que Marx, seguindo William Henry Seward, chamou de um “conflito irreprimível”.75

Notas

43. Sobre Marx e colonialismo, ver Marx, O Capital, vol. 1, 934–35; John Bellamy Foster, Brett Clark, e Hannah Holleman, “Marx and the Indigenous,” Monthly Review 71, no. 9 (Fevereiro 2020): 1–19. Sobre trabalho colonial e economia política clássica, ver Donald Winch, Classical Political Economy and Colonies (Cambridge, MA: Harvard University Press, 1965), 93–100.
44. Karl Marx, Theories of Surplus Value, part 2 (Moscou: Progress Publishers, 1968), 302–3.
45. Karl Marx, Grundrisse (Londres: Penguin, 1973), 464, 513.
46. Orlando Patterson, “On Slavery and Slave Formations,” New Left Review, series 1, no. 117 (1979): 53.
47. Patterson, “On Slavery and Slave Formations,” 55.
48. Marx, O Capital, vol. 1, 151–52. O comentário de Marx aqui sobre o conceito de igualdade, troca e o conceito de trabalho/valor abstrato insiste que tais noções eram inconcebíveis em uma sociedade que depende predominantemente do trabalho escravo, como em Atenas na época de Aristóteles. Essa noção se aplica bem à parte do uso específico na ocasião por Marx e Engels, particularmente em seus primeiros escritos, da noção de um modo de produção escravo. Como Eric Hobsbawm apontou, o conceito de modo de produção escravo foi utilizado como um guia amplo e nunca totalmente desenvolvido por Marx. Ele frequentemente se referia ao antigo modo de produção comunal (que, no entanto, não excluía a escravidão, principalmente por meio da guerra). Ver Eric J. Hobsbawm, introdução a Karl Marx, Pre-Capitalist Economic Formations (Nova Iorque: International Publishers, 1964). 18–22. Para obras clássicas baseadas diretamente nas noções de Marx sobre a escravidão antiga, consulte G. M. E. de Ste Croix, The Class Struggle in the Ancient Greek World (Londres: Duckworth, 1981) e Perry Anderson, Passages from Antiquity to Feudalism (Londres: Verso, 1975).
Esse espaço não nos permite realizar aqui uma extensa exploração da rica análise de Marx da escravidão antiga ou da análise comparativa da escravidão em diferentes relações produtivas. No entanto, é importante reconhecer que para Marx a escravidão era definida de forma muito ampla, como no caso de Patterson, como um sistema de relações de classe baseado na força e na expropriação direta do corpo de outrem. Ocorreu muitas vezes e em muitos contextos da história. A escravidão do chattel também ocorreu nos tempos antigos, mas foi desenvolvida mais plenamente sob o capitalismo. A escravidão antiga e a moderna, portanto, tinham semelhanças, mas devem ser consideradas historicamente distintas. É nesse sentido que Patterson defende o tipo de “comparativismo ousado mundial” no estudo da escravidão que Marx defendia. Patterson, “On Slavery and Slave Formations”, 67.
49. Marx e Engels, Collected Works, vol. 33, 336.
50. Marx, Capital, vol. 3, 362.
51. Sven Beckert, The Empire of Cotton (Nova Iorque: Vintage, 2014), xv–xvi.
52. Marx e Engels, The Civil War in the United States, 17.
53. Karl Marx, Capital, vol. 3 (Londres: Penguin, 1981), 940, 945.
The contention of Nesbitt that Marx himself viewed slaves in the U.S. South as mere “constant capital” unable “to produce the essential and defining element of capitalism — incremental increases in surplus value,” or surplus product, is here contradicted by Marx’s analysis in Capital, vol. 3, which points to the surplus value produced by slave labor. What was different in the case of slave labor, as Marx also stated, was that “the price that is paid here for the slave is…capitalized surplus-value or profit that is to be extracted from him.” See Nesbitt, “The Slave Machine,” 13; Marx, Capital, vol. 3, 945. A alegação de Nesbitt de que o próprio Marx via os escravos no sul dos Estados Unidos como mero “capital constante”, incapaz de “produzir o elemento essencial e definidor do capitalismo — aumentos incrementais na mais-valia” ou produto excedente, é aqui confrontada pela análise de Marx em O capital , vol. 3, que aponta para a mais-valia produzida pelo trabalho escravo. O que era diferente no caso do trabalho escravo, como Marx também afirmou, era que “o preço que se paga aqui pelo escravo é … mais-valia capitalizada ou lucro que se extrai dele”. Ver Nesbitt, “The Slave Machine,” 13; Marx, O Capital, vol. 3, 945.
54. Marx, Grundrisse, 288–89; Karl Marx, O Capital, vol. 2 (Londres: Penguin, 1978), 555; Marx, O Capital, vol. 1, 377; O Capital, vol. 3, 762.
55. Marx e Engels, Collected Works, vol. 30, 184–85; Marx e Engels, Collected Works, vol. 33, 10–11.
56. Ransom e Sutch, “Capitalists without Capital,” 133–34.
57. Adam Smith, A Riqueza das Nações (Nova Iorque: Modern Library, 1937), 80–81.
58. Marx, O Capital, vol. 1, 377; Marx, Theories of Surplus Value, part 3, 243; Marx, Capital, vol. 2, 555; Marx e Engels, Collected Works, vol. 34, 98.
59. Marx e Engels, Collected Works, vol. 25, 149.
60 . Karl Marx, A Contribution to a Critique of Political Economy (Moscou: Progress Publishers, 1970), 203.
61. Patterson, “On Slavery and Slave Formations,” 32–33; Marx, Grundrisse, 326.
62. Marx, Grundrisse, 326; Marx e Engels, Collected Works, vol. 34, 98; John Bellamy Foster e Brett Clark, The Robbery of Nature (Nova Iorque: Monthly Review Press, 2020), 23–32.
63. Marx, O Capital, vol. 1, 1014, 1016, 1033–34.
64. Marx, O Capital, vol. 3, 507–8; Marx e Engels, Collected Works, vol. 30, 262–63; Cairnes, The Slave Power, 40.
65. Cairnes, The Slave Power, 39, 41–42; Marx, O Capital, vol. 3, 507–8; Marx e Engels, Collected Works, vol. 30, 262–63; Marx, O Capital, vol. 1, 452.
66. Cairnes, The Slave Power, 63–67; Marx e Engels, The Civil War in the United States, 44.
67. Merivale, Lectures on Colonization and Colonies, James F. W. Johnston, Notes on North America, vol. 2 (Londres: William Blackwood, 1851), 319, 351–53; Carey, The Slave Trade, Domestic and Foreign, 100–108; Olmsted, Journey in the Seaboard Slave States, 42–44, 56–57, 237–38; Cairnes, The Slave Power, 45, 75, 94; Williams, Capitalism and Slavery, 7; John Bellamy Foster, Marx’s Ecology (Nova Iorque: Monthly Review, 2000).
68. Cairnes, The Slave Power, 111–13.
69. Marx e Engels, Collected Works, vol. 43, 384; Marx, O Capital, vol. 3, 808; Johnston, Notes on North America, vol. 2, 351–53; Olmsted, Journey in the Seaboard Slave States, 57; Foster, Marx’s Ecology, 152.
70. Cairnes, The Slave Power, 45–46; ver também Carey, The Slave Trade, Domestic and Foreign, 95–105.
71. Marx e Engels, The Civil War in the United States, 45–46. Ver também Marx e Engels, Selected Correspondence, 213–14. Ver também Karl Marx e Friedrich Engels, Selected Correspondence (Moscou: Progress Publishers, 1975), 213; Marx e Engels, Collected Works, vol. 43, 384.
72. Marx e Engels, The Civil War in the United States, 47.
73. Johnson, River of Dark Dreams, 8.
74. Marx e Engels, The Civil War in the United States, 17, 44–47, 55–58; Robin Blackburn, An Unfinished Revolution: Karl Marx and Abraham Lincoln (Londres: Verso, 2011), 9; Cairnes, The Slave Power, 11–21.
75. Genovese, The Political Economy of Slavery, 85–99, 281–82; Marx e Engels, The U.S. Civil War, 166; William Henry Seward, “On the Irrepressible Conflict” (discurso, Rochester, Nova Iorque, 25 de outubro, 1858). Seward aqui introduziu a visão dos “dois sistemas políticos”.
A visão de Marx sobre por que a Guerra Civil foi um “conflito irreprimível” era, obviamente, um pouco diferente, vendo-a como dois regimes de trabalho dentro de um único sistema, promovendo diferentes estruturas políticas (ver Marx e Engels, The Civil War in the United States, 55). Genovese apresentou uma visão marxista tradicional e uma visão marxista revisada de por que o conflito pela escravidão era irreprimível, e não repressível. Ainda assim, na visão revisada, que ele apoiou, foi a destruição ecológica, e não o fracasso econômico como tal, que foi a principal razão para o impulso expansionista do sul. Como Eugene Baptist argumentou, em The Half Has Never Been Told, uma vez que o capitalismo dos proprietários de escravos teve tanto sucesso, ele não poderia ter terminado exceto pela guerra. Portanto, o Sul cometeu um “erro tremendo”, pode-se argumentar — como Marx e tantos outros fizeram naquela época — que por trás de seu sucesso material havia uma falha, um impulso expansionista exigindo cada vez mais terras para evitar crises futuras, terras que o Norte não permitiria — nem mais um pé quadrado, Lincoln indicou. Eugene Baptist, The Half Has Never Been Told, 413–414; Marx e Engels, The Civil War in the United States, 133.

Sobre os Autores

John Bellamy Foster é editor da Monthly Review e professor de sociologia na Universidade de Oregon. Hannah Holleman é diretora da Monthly Review Foundation e professora associada de sociologia no Amherst College. Brett Clark é editor associado da Monthly Review e professor de sociologia da Universidade de Utah.

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