Como a extrema-direita está transformando feministas em fascistas
Por Jude Ellison S. Doyle. Publicado originalmente em 1º de abril em Xtra.
Traduzido por Renata Lopes e revisado por Débora Cunha.
Quando comecei a me perguntar sobre a conexão entre a política anti-trans e a direita americana, minhas preocupações eram simples. Eu cobri a pauta do aborto por vários anos e algumas das táticas usadas por transfóbicos organizados — “protestos” barulhentos do lado de fora de clínicas ou doxing e assédio a médicos — eram tão semelhantes às do movimento “pró-vida” que eu esperava que alguns grupos estivessem trabalhando juntos.
Eu tinha razão; havia uma conexão, que já cobri para o Xtra e outros veículos. O que eu não esperava era que pedir aos pesquisadores que situassem os ativistas anti-trans no mesmo contexto da direita em geral se tornaria uma das perguntas mais assustadoras que já fiz. Todos os pesquisadores com quem conversei me disseram que a situação no campo era muito pior do que eu pensava. Não eram simplesmente os ativistas anti-trans que tinham atrelado seus vagões à direita americana. A extrema direita estava usando a transfobia para avançar em sua agenda maior, e essa agenda era mais violenta e muito mais bem-sucedida do que eu imaginava.
O que se segue é uma tentativa de resumir essa agenda — embora o quadro completo, composto por grupos ativistas dissidentes, teorias da conspiração bizarras, campanhas de ódio nas mídias sociais e iniciativas titânicas de financiamento global, seja muito complexo e muito estranho para sintetizar completamente. É uma história em que “ecofascistas” infiltrados em festivais folclóricos lésbicos se deparam com blogueiros de conspiração antissemitas e operações globais de dinheiro obscuro de Vladimir Putin; estranho o suficiente para ser difícil de levar a sério, mas muito sério e cada vez mais perigoso para todos nós. Foi assim que o pensamento transeliminacionista se tornou a política dominante, e isso tem graves implicações não apenas para as pessoas trans, mas para a própria democracia.
Até agora, evitei usar a sigla fatal: TERF, ou feminista radical trans-excludente. A razão é que “TERF” não significa mais a mesma coisa que significava 20 ou mesmo 10 anos atrás. Ainda indica uma pessoa, provavelmente uma mulher branca cis, cuja política é definida pela transfobia obsessiva, mas o conteúdo desse ódio é muito diferente agora.
As TERFs originais vinham de uma linha específica de feminismo radical trans-hostil — o tipo defendido por certas autoras feministas dos anos 1970 e 1980, como Janice Raymond, cujo livro de 1979, The Transsexual Empire (O Império Transsexual, em tradução livre) notoriamente clamava pela exigência moral de que pessoas trans deixassem de existir. Suas batalhas políticas foram focadas em coisas como condenar strap-ons como um símbolo de dominação masculina ou manter mulheres trans fora do festival folclórico lésbico MichFest. Elas foram amplamente ridicularizadas, altamente impopulares e, mesmo em seu auge na década de 1980, quase não exerciam poder político.
Então como as TERFs se tornaram uma ameaça global? A resposta, de acordo com a pesquisadora Ky Schevers, é que elas não são as mesmas pessoas. Em meados da década de 2010, um pequeno grupo de ativistas com simpatias fascistas — a maioria delas vindos do grupo ambientalista Deep Green Resistance (DGR) — se infiltrou no movimento mais antigo e o arrastou para a direita, apesar das objeções de alguns membros.
“Eu estava andando com essas feministas radicais transfóbicas quando a aberração de direita aconteceu”, diz Schevers. “Eu sei que há muitas delas, e que elas realmente se sentem completamente ferradas.”
Schevers pesquisa TERFs porque ela costumava ser uma. Ela escreveu extensivamente sobre ser sugada para um movimento de “destransição” semelhante a um culto que convenceu homens trans jovens de que sua disforia era causada pela misoginia e só poderia ser curada pelo feminismo radical. Ela tem sido minha mais paciente guia no mundo da transfobia organizada, tendo falado anteriormente comigo sobre a ascensão do ativismo anti-trans visando pessoas da área médica e clínicas de gênero; cada conversa é um turbilhão de nomes, datas, horários e posts bizarros de blogs de paraísos TERF, iluminando o ventre de um movimento obsessivo e cada vez mais perigoso.
As TERFs sempre foram “pessoas terríveis”, Schevers me disse, mas os grupos que ela encontrou pela primeira vez tinham alguma familiaridade com o pensamento feminista — e a maioria se considerava progressista ou esquerdista. Então veio o DGR, com um conjunto totalmente diferente de pressupostos.
Os membros da DGR eram o que Schevers chama de “ecofascistas”; eles defendiam uma ação violenta que causaria uma morte em massa da humanidade para salvar o meio ambiente. Eles inicialmente recrutavam em grupos anarquistas e ambientalistas. De acordo com uma linha do tempo elaborada pelo pesquisador Lee Leveille, a DGR se desintegrou em 2012 devido a uma série de polêmicas envolvendo a transfobia de seus fundadores, Lierre Keith e Derrick Jensen. Em 2013, a Earth First! (Terra em Primeiro Lugar!, em tradução livre) juntou-se ao co-fundador da DGR, Aric McBay, para denunciá-los.
“É uma ironia sombria que, ao insistir em um ‘feminismo’ sem nenhuma mulher trans nele, as TERFs acabaram construindo a ferramenta através da qual os fascistas pretendem destruir completamente o feminismo.”
Foi também em 2013 que Keith fundou a organização “feminista radical” Women’s Liberation Front (Frente de Libertação das Mulheres, em tradução livre), ou WoLF.
“Lierre Keith começou a voltar mais de sua atenção para TERFs da velha guarda”, diz Schevers. “[Ela] colocou gente pra dentro do último MichFest para tentar recrutar pessoas. O WoLF montou seu próprio acampamento. Elas então começaram a recrutar entre feministas e lésbicas transfóbicas e então, uma vez que Trump foi eleito, quando direita cristã e todos esses outros grupos ficaram mais poderosos e mais ousados, elas começaram a fazer as alianças [de direita].”
Após a eleição de Donald Trump, o WoLF girou fortemente para a direita. A cofundadora Kara Dansky apareceu no Tucker Carlson Tonight para protestar contra a agenda trans e, em 2017, a organização apresentou um relatório de amicus curiae em conjunto com a conservadora Family Policy Alliance (Aliança das Políticas de Família, em tradução livre) para “[opor-se] ao esforço de abrir vestiários e chuveiros femininos para meninos que dizem que se identificam como meninas — e vice-versa.” Essas novas alianças efetivamente trouxeram as TERFs para a direita americana. Também as levou ao poder.
“Quando você olha para quem está se chamando de ‘feminista CG’ [feminista crítica de gênero] nos dias de hoje, sua versão de ‘feminismo radical’ é a da WoLF”, diz Schevers. “Elas não estão lendo muito Janice Raymond.”
Não é preciso chorar pelas TERFs originais, cujas intenções em relação às mulheres trans, em particular, sempre foram genocidas; Raymond dizia explicitamente que seu objetivo era que as pessoas trans não existissem mais. No entanto, em 1979, esse ódio era muito menos potente do que é hoje. O TERFismo foi um bolsão de um movimento relativamente impotente que não teve o alcance nem o apoio da direita em geral. No entanto, enquanto grupo de ódio pré-existente “à esquerda”, as TERFs eram incrivelmente vulneráveis à infiltração e absorção pelo fascismo.
Um artigo de 2020 do Radix Journal, uma publicação de extrema-direita fundada pelo neonazista Richard Spencer, apresenta uma estratégia para fazer exatamente isso. No artigo, intitulado “The TERF to Dissident Right Pipeline” (O caminho de TERF à dissidente de direita, em tradução livre), a autora Kat S. observa que a insistência das TERFs no “sexo biológico” como um binário imutável — todos os “homens” depravados e violentos, todas as “mulheres” vítimas frágeis — pode tornar mais fácil convencê-las de outras hierarquias biológicas. Sua insistência em ver as mulheres trans como “homens violentos”, em particular, pode ser usada contra homens de cor e transformada em supremacia branca aberta. “Não leva muito tempo para qualquer mulher pensante ver exatamente quais homens estão cometendo crimes violentos e praticando a maioria da violência maritalo, e o realismo racial é o próximo passo natural.”
Em última análise, argumenta o artigo, deve ser fácil convencer as TERFs de que apoiar os direitos das “mulheres biológicas” significa rejeitar “a teoria feminista liderada por judeus de meados do século XX”, particularmente a “escravidão corporativa” do trabalho fora do casa, em favor de aceitar seu papel biologicamente ordenado como esposas e mães. “Um movimento pró-família e pró-natalista requer algum grau de participação feminina”, escreve Kat S., “e reformular o paradigma do patriarcado é essencial”. Em última análise, as TERFs devem ser levadas a ver o patriarcado como “um sistema em que os impulsos e forças dos homens podem florescer e ser canalizados para saídas saudáveis, e assim as mulheres são protegidas e respeitadas por sua realidade material e pelos presentes que nossa biologia única oferece”.
É uma ironia sombria que, ao insistir em um “feminismo” sem nenhuma mulher trans, as TERFs acabaram construindo a ferramenta pela qual os fascistas pretendem destruir completamente o feminismo. Ainda assim, não é novidade que os nazistas online têm ideias malucas. Isso poderia realmente funcionar? Para falar sobre isso, temos que recuar e olhar para o quadro global.
TERFs e grupos antitrans organizados são apenas uma parte da luta global da direita contra a chamada “ideologia de gênero”: grosso modo, a confluência de direitos ao aborto, direitos das mulheres e direitos LGBTQIA+, com pessoas trans parecendo inspirar uma fúria particular.
Essa luta é bem organizada, bem financiada e global. Um relatório de 2021 do Fórum Parlamentar Europeu para os Direitos Sexuais e Reprodutivos (EPF) descobriu que, entre 2009 e 2018, a Europa recebeu US$707,2 milhões em “financiamento antigênero”. (Novamente, isso inclui iniciativas contra o aborto e os direitos LGBTQIA+ de forma geral, bem como financiamento anti-trans; para os oponentes da “ideologia de gênero”, são todos a mesma coisa.) Fora da própria Europa, havia dois países derramando dinheiro na campanha: Estados Unidos e Rússia.
O financiamento americano anti-gênero vem em grande parte da direita cristã: o relatório do EPF lista doadores como a Heritage Foundation, o American Center for Law and Justice e a Alliance Defending Freedom, que também são altamente ativos em políticas anti-aborto e anti-trans nacionais. A Alliance Defending Freedom, por exemplo, foi creditada com a criação dos modelos legislativos para inundar as legislaturas estaduais dos EUA com uma enxurrada de proibições esportivas transfóbicas.
O envolvimento russo é mais difícil de descobrir, até porque esse dinheiro é muitas vezes passado por “lavandarias” destinadas a disfarçar suas associações. O EPF argumenta que, para Putin, as medidas anti-LGBTQIA+ não são apenas desejáveis em si mesmas (o tratamento que a Rússia dá aos LGBTs é notoriamente horrível), sendo também um meio de desestabilizar o globo. Especificamente, a Rússia desenvolveu o hábito de impulsionar “partidos políticos populistas de extrema direita com uma agenda explicitamente disruptiva”. Se democracias que de outra forma funcionam pudessem ser despedaçadas por causa dos direitos civis, isso criaria um caos que acabaria beneficiando a Rússia. Certamente, os Estados Unidos foram enfraquecidos pela era Trump, sem dúvidas o exemplo mais bem-sucedido dessa estratégia.
Tentar seguir essas conexões leva você a uma cadeia de centopéias humanas. Nela, os oligarcas russos despejam dinheiro obscuro em think tanks evangélicos dos EUA e os evangélicos enviam esse dinheiro de volta pelo Atlântico para financiar TERFs. Uma lei que proíbe os professores de mencionar a homossexualidade na sala de aula aparece primeiro na Hungria e depois na Flórida. A transição juvenil é proibida no Reino Unido (depois restaurada) e depois banida em Idaho. Vladimir Putin defende sua invasão da Ucrânia, comparando o cancelamento de J.K. Rowling ao da Rússia. As mesmas ideias regressivas rodopiam entre os continentes como correntes oceânicas e, com ou sem coordenação consciente, todos acabamos vivendo a mesma confusão. Mesmo as ideias de direita mais extremas e implausíveis têm alcance e apoio institucional que de outra forma não teriam, e uma tendência global ao fascismo passa de impensável a provável.
É aqui que as coisas ficam estranhas.
A membra da Deep Green Resistance que teve a maior influência sob o movimento “crítico de gênero” é uma mulher chamada Jennifer Bilek, cuja biografia a chama de “jornalista investigativa, artista e cidadã preocupada” (leia-se: blogueira), e cujo artigo de 2018 para o Federalist, “Who Are the Rich, White Men Institutionalizing Transgender Ideology” (Quem são os homens brancos ricos institucionalizando a ideologia transgênero?”, em tradução livre), inclinou firmemente a transfobia organizada na direção do reino da teoria da conspiração antissemita.
Nesse artigo, Bilek apresenta o básico de sua visão de mundo incrivelmente bizarra: uma cabala de “bilionários transhumanistas” — indivíduos ricos supostamente dedicados a ajudar a humanidade a transcender seu status de espécie orgânica, como o magnata dos fundos especulativos George Soros, os filantropos Warren e Peter Buffett e as mulheres trans ricas Martine Rothblatt e Jennifer Pritzker (sim, este parágrafo fica mais louco à medida que você avança) — se infiltrou na comunidade gay e assumiu o “complexo industrial médico”, criando uma indústria de gênero predatória que convence as pessoas cis de que precisam fazer a transição, com o objetivo final de normalizar a “dissociação do corpo” e modificações corporais extremas, colocando chips do Google em nossas cabeças e (eu juro por Deus) escravizando a raça humana fundindo homem com máquina.
As teorias de Bilek inspiram zombaria sempre que alguém as divulga nas mídias sociais — e deveriam; elas são incrivelmente bobas — mas o tropo de uma elite endinheirada E sinistra planejando a destruição da humanidade nas sombras se aproxima da propaganda nazista. Quase todos os bilionários da lista de Bilek são, como aponta Schevers, “judeus, transfemininos ou gays”.
“Uma coisa que é crucial entender sobre a extrema direita, os caras nazistas, é a maneira que eles veem obsessivamente absolutamente tudo como uma trama judaica”, diz a autora e pesquisadora do ódio Talia Lavin, autora de Culture Warlords: My Journey into the Dark Web of White Supremacy (Senhores da Guerra Cultural: Minha Jornada na Dark Web da Supremacia Branca, em tradução livre). “E a existência de pessoas trans é enorme.”
Lavin cita a queima dos arquivos de Magnus Hirschfeld em 1933: Hirschfeld, um médico judeu alemão, foi um pesquisador inovador e notavelmente simpático à identidade transgênero; sua clínica foi a primeira no mundo a oferecer a cirurgia de afirmação de gênero. E então os nazistas queimaram seu trabalho, deixando um buraco na história.
Para as pessoas trans, isso parece uma prova de apagamento. Mas para um nazista, diz Lavin, isso significa algo diferente: a presença de um médico judeu indica que “[a] existência de pessoas trans foi inventada por pessoas como Hirschfeld para minar a masculinidade branca e destruir a família branca”.
Falei com pesquisadores em vários países para este artigo e todos eles concordaram que os ativistas anti-trans estavam ficando cada vez mais confortáveis em apresentar seus argumentos dentro de uma estrutura de supremacia branca, apresentando os cuidados de transição como um ataque à fertilidade branca e às taxas de natalidade brancas especificamente. Às vezes, isso é sutil: Irreversible Damage (Dano Irreversível, em tradução livre), um livro de 2020 no qual a autora Abigail Shrier retrata a transição da juventude como uma ameaça iminente à fertilidade de “nossas filhas”, usa infamemente uma ilustração de capa em que uma jovem branca tem o útero arrancado de seu corpo. Nos extremos, as coisas ficam mais evidentes. Alix Aharon, o organizador do “GenderMapper” que liderou a acusação contra a Planned Parenthood como o “ápice do lobby trans”, também insiste que a transição é uma ameaça apenas para crianças brancas; “A juventude negra não está em transição”, ela escreve.
Esse foco obsessivo na fertilidade branca é uma peça da propaganda fascista sobre a invasão ou substituição por pessoas de cor. “Há um crescente corpo de propaganda sobre o ‘genocídio branco’”, diz Mallory Moore, da Trans Safety Network, com sede no Reino Unido. “Nós, pessoas queer e trans, e feministas, estamos nos recusando a cumprir nosso dever nacional de procriar.”
Schevers diz que o pensamento conspiratório que domina os círculos TERF facilmente se estende para incorporar outros movimentos de direitos civis — enquanto as pessoas trans podem ser enquadradas como um plano para enfraquecer a raça branca através da “degeneração sexual”, movimentos como Black Lives Matter são suspeitos de serem inconscientemente ferramentas de pessoas trans.
“Eles estão falando sobre o Black Lives Matter [sendo] cooptado pelo lobby trans”, diz ela. “Mais uma vez, é muito semelhante à propaganda nazista. ‘Essa elite judaica capturou esse movimento dos direitos civis dos negros e na verdade é apenas um ataque aos brancos.’” Neste ponto, “transfobia” não parece mais uma descrição adequada do problema. “Transfobia” implica odiar pessoas trans. Acreditar que a existência de pessoas trans é uma trama judaica para destruir a raça branca diminuindo a fertilidade das pessoas brancas designadas mulheres no nascimento é, para ser grosseira, um nível totalmente novo de ferrado.
No entanto, essas ideias estão chegando ao mainstream, perfumadas através de comentários simpáticos que eliminam suas associações à extrema-direita. Por exemplo, como a pesquisadora Christa Peterson documentou, o livro recente de Helen Joyce, Trans, repete a teoria dos “bilionários judeus” de Bilek sem citá-la pelo nome. Joyce foi então avaliada pelo comentarista anti-trans Jesse Singal no New York Times, e Singal — ao chamar o livro de Joyce de “uma réplica inteligente e completa a uma ideia que varreu grande parte do mundo liberal aparentemente da noite para o dia” — negligenciou a menção aos judeus. bilionários em tudo. Cave cinco centímetros e você encontrará os nazistas, mas, na superfície, parece um “debate” razoável.
É um debate que as pessoas trans estão perdendo. O que nos leva à parte mais sombria de tudo isso: como os planos fascistas para eliminar as pessoas trans se tornaram parte do mainstream americano.
Não é por acaso que grande parte dessa história gira em torno da eleição de Donald Trump. O governo Trump encorajou grupos fascistas e de extrema-direita em todos os setores, e também os aproximou mais do que nunca do poder político dominante — observe o número crescente de nazistas e teóricos da conspiração QAnon entre as legislaturas americanas.
A tomada do partido republicano pela extrema direita não foi indolor; Os conservadores do #NeverTrump sentem que os supremacistas brancos os fazem parecer ruins e os membros do grupo de ódio pensam que os conservadores “moderados” são vendidos. Ainda assim, a transfobia forneceu um ponto de penetração onde a extrema direita e os conservadores tradicionais se encontram. A retórica que antes era exclusiva da extrema direita passou a dominar os principais debates dos EUA em torno da legislação anti-trans ou anti-LGBTQIA+. Observe como as taxas de fertilidade e as questões de “esterilização” de crianças passam a dominar qualquer discussão sobre transição juvenil. Na Flórida, o notório projeto de lei estadual “Don’t Say Gay” foi enquadrado pelo porta-voz do governador Ron DeSantis como um “projeto anti-aliciamento” e todos os oponentes foram classificados como pedófilos.
“Quando eles dizem ‘pedófilo’, eles querem dizer alguém que não deveria ter permissão para viver”, diz Lavin. “O “estado profundo” do QAnon está envolvido em pedofilia. O Partido Democrata está engajado em pedofilia em massa. O movimento retórico padrão para [a extrema direita] é ‘todo mundo é pedófilo e pedófilos devem ser mortos’”.
Lenta mas seguramente, a ideia de que pessoas trans são inerentemente uma ameaça predatória para crianças (brancas) ganha força — e a vontade de se livrar da ameaça segue.
“É isso que quero dizer quando digo ‘retórica aniquiladora’”, diz Lavin. “Tipo, ‘isso é para proteger pais e filhos’. Como se pessoas queer, pessoas trans, não fossem ‘pais’ e ‘filhos’.
Aqui é onde eu recuo, tonta, e admito algo que soa paranóico mesmo quando sou eu a dizer: essa agenda é, claramente, já genocida no que diz respeito às pessoas trans, mas também parece provável que escale e encontre novos alvos. O ativismo “antigênero” já inclui ataques ao aborto, aos direitos das mulheres e aos direitos das pessoas cis queer, todos os quais estão sendo revertidos nos Estados Unidos. O ódio fervilhante de não-brancos e judeus que fornece o subtexto para esses movimentos deve, mais cedo ou mais tarde, tornar-se seu texto. Estou com medo por mim mesma, mas estou mais assustada porque quanto mais olho para isso, mais concordo com a teórica de gênero Judith Butler quando diz que as pessoas trans podem não ser o objetivo do fascismo antitrans; somos simplesmente o meio mais popular pelo qual os fascistas “inventam um mundo de múltiplas ameaças iminentes para defender o governo autoritário e a censura”.
Continuo voltando à minha conversa com Lavin sobre os arquivos Hirschfeld. Queimá-los foi uma das primeiras coisas que os nazistas fizeram, mas certamente não é por isso que nos lembramos deles. O fato de as pessoas trans serem um primeiro alvo fácil não significa que seremos os últimos ou mesmo os mais importantes. Quanto mais olho para tudo isso e mais informações reúno, mais minha mente volta àquele fogo de tempos atrás.
O problema é que o fogo sempre se espalha. Olhe ao seu redor e veja o que já está queimando.