Colonialidade da natureza e das mulheres diante de um planeta que está se esgotando
Por Helena Katherina Nogales. Publicado em Ecología Política. Traduzido por Renata Lopes. Revisado por Débora Cunha.
Palavras-chave: colonialidade, natureza, mulher
Resumo
As linhas a seguir são escritas considerando a crise socioecológica como um fato inegável intimamente associado ao processo de dominação colonial, racista, patriarcal e antropocêntrica que nos levou a uma sociedade em constante risco. Persistentemente, o modelo de crescimento econômico tem sido responsável por explorar, poluir e destruir os recursos finitos do planeta a ponto de generalizar uma cultura de dominação entre os humanos e destes sobre a natureza. A ciência e a tecnologia instrumentalizaram a natureza e a reprodução da vida humana. Por isso, esta reflexão pretende visualizar, a partir de uma perspectiva feminista, os discursos, representações e significados que colocam a natureza e as mulheres em estado de vulnerabilidade, adoecimento e instabilidade. Esse estado, por um lado, exige a proteção de ambos, diante de sua fraqueza e, por outro, permite a pilhagem, diante de sua passividade. Isso revela um discurso patriarcal e colonial que se apresenta como o principal responsável pela crise socioecológica.
Introdução
Os problemas ambientais não podem mais ser abordados apenas sob a ótica da ecologia e como alterações naturais do planeta, pois é evidente que o ponto de origem dessa crescente crise ambiental está ancorado no modelo econômico de produção vigente. Nos encontramos diante de um planeta em convulsão com alto risco de se precipitar, em que os processos naturais se aceleraram de tal forma que não foi possível imaginar respostas para enfrentá-los. Isso gerou representações e significados utilitários sobre a natureza (Dietz e Isidoro, 2014) e exacerbou os processos de mudança climática a ponto de desencadear uma crise que ultrapassa as capacidades de reverter o conflito.
Por outro lado, abordar as discussões sobre meio ambiente e patriarcado representa um desafio teórico e implica relacioná-los como consequência do modelo capitalista. Olhar para eles separadamente e de uma única perspectiva tornou impossível dar respostas à complexidade dos eventos que enfrentamos (Carcaño, 2008). Portanto, a proposta é tornar visível como o sistema econômico e sua intervenção antropocêntrica ampliaram uma separação ontológica entre natureza e sociedade, e entre homem, natureza e mulher, o que resulta em um agravamento do conflito sobre o qual pouco se percebe.
Sendo assim, minha reflexão será guiada por duas abordagens: a primeira apresenta a separação entre o ser humano e a natureza como produto da hegemonia do padrão econômico e do conhecimento. A segunda, por sua vez, apresenta um esboço da subordinação da natureza e das mulheres, e como isso intensifica a crescente crise socioecológica enquanto consequência da dominação das entidades reprodutivas da vida.
Modelo econômico e científico após a colonização da natureza
Se analisarmos as afirmações em que se baseia o patriarcado, verificaremos que elas apontam para uma diferença na evolução de homens e mulheres: em seu processo de humanização, o homem conseguiu emancipar-se da dominação da natureza, das mulheres e da selvageria (Siva, 2004). A concepção racionalista –que propõe a razão como fonte única da verdade– típica da modernidade ocidental gerou a divisão entre natureza e sociedade, divisão que anulou as antigas relações entre seres humanos, plantas e animais; e também a relação entre os mundos espirituais e os ancestrais como seres igualmente vivos (Walsh, 2008).
Como explica Vandana Shiva (2004), a partir do século XV, os cientistas europeus tornaram-se os “pais da destruição”. Essa destruição, da qual a Igreja também participou, afetou qualquer pessoa ou coisa considerada diferente da imagem européia, que se dizia superior a qualquer outra, posição que Maldonado-Torres chamou de ceticismo misantrópico. O primeiro recurso utilizado foi questionar se aquele outro era humano, se era racional e tinha alma e, portanto, direitos. Privar o outro dessas qualidades dava o poder de considerá-lo fora da norma, incivilizado, sem Deus, suscetível de ser moldado de acordo com o interesse dos grupos dominantes. Uma atitude genocida e hegemônica em relação aos grupos colonizados racionalizados (Maldonado-Torres, 2007), a mesma atitude que foi usada para colonizar a natureza.
A colonização da natureza explica como a dominação exercida em favor dos interesses hegemônicos de expansão e apropriação de minerais, hidrocarbonetos, água, solo etc., segmentou as relações entre o homem e os demais seres vivos. Assim, tanto a realidade dos seres humanos como elementos da natureza-terra, quanto a importância das relacionalidades, entendidas como os elos de continuidade entre entidades biofísicas, humanas e sobrenaturais, foram negadas (Leff, 2004; Escobar, 2014). Essa dominação transforma essas relações em mito, lenda e folclore, e faz com que pareçam seres alheios à modernidade, a razão de substituí-los por uma racionalidade moderno-ocidental (Walsh, 2008). Por não estarem vinculados em igualdade de condições, mas sim organizados de forma hierárquica, o que está no topo pode aproveitar-se do que está abaixo. Um método infalível que tem sido usado em toda discriminação e segregação ao longo da história.
Subordinação da natureza e das mulheres e sua relação com a deterioração ambiental
Shiva (2004) reflete sobre o fato de que o domínio do homem sobre a natureza e a mulher é possível a partir da consideração de ambos como o outro, o não-eu passivo. Esse outro é representado como externo ao homem, com características inferiores, expropriáveis e moldáveis. Nessa perspectiva, o outro é concebido como diferente do um, embora compartilhe algumas características com o um e, portanto, necessita apenas de uma intervenção para alcançar a completude. Isso acontece em todo processo de dominação colonial, racista, patriarcal e antropocêntrica em que o outro só é reconhecido a partir de sua inferioridade. O pensamento ocidental desenvolveu estratégias de colonização marcadas por uma noção dualista de diferença e superioridade. É um mecanismo de poder que classifica o diferente apenas como objeto de conhecimento e controle, posição legitimada pelos discursos das diferentes instituições científicas, políticas e religiosas.
Culturalmente, o homem expropriou todas as qualidades existentes nesse outro e as transformou em elementos exclusivos de si mesmo, ao mesmo tempo em que reduziu a recursos tanto a natureza quanto as mulheres. Por um lado, a natureza é vista como fornecedora de matéria-prima para manter a produtividade da economia. Por outro lado, as mulheres ficam confinadas ao papel de reprodutoras da vida, isso para dar continuidade à força de trabalho exigida pelo capital, mantendo o sistema econômico. Ambas são instrumentalizadas como incubadoras da vida.
Sherry B. Ortner (1979) refletiu sobre por que as mulheres são consideradas mais próximas da natureza, apontando três razões baseadas em concepções fisiológicas. Em primeiro lugar, o corpo e as funções reprodutivas da mulher a vinculam por mais tempo à continuidade da vida da espécie, o que a aproximaria mais da natureza do que do homem, que, por sua fisiologia, pode ser mais livre e se dedicar a aspectos da cultura. Em segundo lugar, o corpo da mulher e suas funções definem seus papéis sociais, como doméstico e de cuidado, que, por sua vez, são considerados inferiores aos papéis masculinos, dado que se confere mais prestígio à caça e à guerra do que à capacidade feminina de dar vida. Por fim, se atribui às mulheres uma estrutura psíquica diferente que lhes permite relacionar-se mais imediatamente do que os homens, que o fariam de forma mediata. Essa característica feminina está relacionada à natureza, pois está ligada aos papéis tradicionais da mulher impostos pelas funções de seus corpos. Vemos, assim, como a razão científica constrói um argumento que condena as mulheres à inferioridade por suas estruturas fisiológicas e biológicas, sem levar em conta que elas são a isso induzidas por um modelo executor de dominação que, portanto, a configura.
A desvalorização da mulher está ligada aos seus papéis sociais e biológicos, os quais a visão patriarcal associa à maternidade. Um fato tão fundamental quanto o cuidado com a vida não parece merecer importância, pois os papéis masculinos que envolvem o uso da força e da violência são mais valorizados (Ortner, 1979). Nas palavras de Foucault, trata-se de estratégias biopolíticas: “fazer viver” aqueles grupos populacionais que melhor se adaptam ao perfil de produção exigido pelo Estado capitalista e, em vez disso, “deixar morrer” aqueles que não servem para promover o trabalho, a produção, o desenvolvimento econômico e modernização (Castro Gómez, 2007).
Portanto, a chamada feminização da natureza ou naturalização da mulher tem sido duplamente danosa: “a natureza se tornou aquele ser vulnerável que pode ser abusado; as mulheres, por sua vez, sofreram as consequências dessa mecanização do orgânico e, à medida que os homens se tornaram donos da técnica, o mundo feminino foi subordinado a cuidar do orgânico, menos considerado econômica e socialmente” (Tardón, 2011: 538).
Conclusões
Os argumentos apresentados neste trabalho são uma amostra não exaustiva de alguns discursos e representações utilizados paralelamente para apresentar tanto a mulher quanto a natureza como reprodutoras da vida, que elevam sua proteção necessária, mas vêm deslegitimando qualquer possibilidade de agir e sobreviver a partir da autonomia científica e econômica. Colocar a natureza e as mulheres em estado de vulnerabilidade, adoecimento, instabilidade, assim como em posição indomável, permite que fluam as estratégias econômicas tendentes a economizar a reprodução da vida.
A vinculação dos problemas ambientais às relações políticas, econômicas e de gênero estabelece a possibilidade de olhar de forma holística as diferentes dimensões dos problemas ambientais, contextualizando as desigualdades que devem ser transformadas em um primeiro cenário para buscar alternativas a uma crise multifatorial. Dissociar os essencialismos sobre a mulher e a natureza, a visão utilitarista sobre a reprodução da vida e a superioridade do ser humano sobre os demais seres vivos, é um ponto-chave para abordar outras formas de ver e viver o mundo.
Bibliografia
Carcaño, É., 2008. Ecofeminismo y ambientalismo feminista. Una reflexión crítica. Argumentos, México D. F., Universidad Autónoma Metropolitana, Unidad Xochimilco, vol. 21, 56, pp. 183–188.
Castro Gómez, S., 2007. Michel Foucault y la colonialidad del poder. Bogotá, Pontificia Universidad Javeriana, Instituto Pensar.
Dietz, K., y A. Isidoro, 2014. Dimensiones socioambientales de desigualdad. Enfoques, conceptos y categorías para el análisis desde las ciencias sociales. Bogotá, Universidad Nacional de Colombia.
Escobar, A., 2014. Sentipensar con la tierra. Nuevas lecturas sobre desarrollo, territorio y diferencia. Medellín, Unaula.
Foucault, M., 2007. Nacimiento de la biopolítica. Curso en el Collège de France (1979–1979). Buenos Aires, Fondo de Cultura Económica.
Leff, E., 2004. Racionalidad ambiental. La reapropiación social de la naturaleza. Bogotá, Siglo XXI.
Maldonado-Torres, N., 2007. Sobre la colonialidad del ser. Contribuciones al desarrollo de un concepto. Bogotá, Siglo del Hombre.
Ortner, S., 1979. ¿Es la mujer con respecto al hombre lo que la naturaleza con respecto a la cultura? En: Harris, O. y K. Young (comp.) Antropología y feminismo. Barcelona, Anagrama, pp. 109–131.
Shiva, V., 2004. La mirada del ecofeminismo. Polis Revista Latinoamericana, 9 (en línea).
Tardón, M., 2011. Ecofeminismo. Una reivindicación de la mujer y la naturaleza. El Futuro del Pasado, 2, pp. 533–542.
Walsh, C., 2008. Interculturalidad, plurinacionalidad y decolonialidad: las insurgencias político-epistémicas de refundar el Estado. Quito, Universidad Andina Simón Bolívar.
—
Laboratorio de Ecología Política del Centro de Estudios de la Ciencia, Instituto Venezolano de Investigaciones Científicas, Venezuela. E-mail: kathynogales@gmail.com
Laboratório de Ecologia Política do Centro de Estudos Científicos, Instituto Venezuelano de Pesquisas Científicas, Venezuela. E-mail: kathynogales@gmail.com
Para mais links relacionados a esse texto, ver a publicação original.
©Leia Marxistas (2022). Todos os direitos reservados (sobre a tradução). Reprodução somente com autorização prévia do Coletivo Leia Marxistas e com referência da fonte original da tradução.
A equipe de tradução e o coletivo Leia Marxistas não necessariamente partilham das opiniões retratadas nos textos traduzidos. Fontes originais e dados citados no texto não são verificados pela equipe de tradução ou pelo coletivo Leia Marxistas.